Augusto César fundou "O Transmontano" em 1873

«Augusto César. Honrado e inteligente filho do povo. Jornalista. Fundou "O Transmontano

"O primeiro jornal periódico de Trás-os-Montes viu as contingências da publicidade em Vila Real, no ano de 1873.

Chamava-se O Transmontano, trazendo o cabeçalho o subtítulo de «folha democrática».

Trás-os-Montes entrou, pois, nas lutas da imprensa sob o estandarte rubro da democracia.

O seu fundador, Augusto César, conseguiu sustentá-lo, por um esforço heroicamente decidido, durante o período de vinte e quatro anos - até ao dia da sua morte.

Era um jornal de pequeno formato, com um número restrito de assinantes, atendendo à sua orientação política e ao seu feitio especial de folha provinciana - inteiramente arredada da intriga mesquinha, da bisbilhotice capciosa que vai desde a casa humilde do regedor ao prédio estucado, de azulejo decorativo e severas persianas de damasco, do palacete do governador civil.

Augusto César, por temperamento e por sistema, manifestou sempre a máxima repugnância por esse processo rasteiro de armar à popularidade.

Não possuindo uma ilustração tão vasta que pudesse lançá-lo no torvelinho agitado dos largos problemas sociais, abordava-os, no entanto, superficialmente, mas sensatamente, afastando-se assim da discussão local do vizinho ou do cacique.

Tinha a intuição das grandes verdades e dos grandes sonhos, seguindo, como um iluminado, a gloriosa trajectória das ideias e dos factos do último quartel do século XIX.

E em todo o ardor, uma fé singela e firme de apóstolo e de discípulo que o tomavam, que o alentavam na sua jornada de crente e de sincero.

Como apóstolo - o olhar trinte e mortificado envolvendo carinhosamente a sua terra, o seu país, num desejo insatisfeito de felicidade, de prosperidade - pregava, disciplinava, incitava os fracos, tinha cóleras de revolta para os traidores.

Como discípulo, escutava atentamente a palavra dos mestres, ou viesse temperada pela ardência impetuosa da alma portuguesa, ou a impregnasse o doutrinarismo rígido, frio, do espírito germânico.

O Trasmontano era o seu único meio de convivência social. Só através das suas colunas, na sua forma vagamente lamartineana, ele falava aos homens do seu sonho, da sua esperança sempre viva.

Augusto César era um torturado e um misantropo - fechava-se no mistério da sua vida, como um senhor feudal e taciturno nos muros impenetráveis e negros do seu castelo.

E dai as lendas que lhe envolviam o nome, tornando-o para mim e para os rapazes da minha idade uma espécie de duende, vindo de países ignorados e tenebrosos, com o seu alto busto vergado e a longa cabeleira negra pousando sobre os ombros.

O próprio cão que o acompanhava sempre, avolumando ainda o seu ar de lendário de personagem romântica, parecia trazer sob a pelagem negra e luzidia a mesma misteriosa tristeza do seu dono e amigo.

Dizia-se que um grande amor infeliz lhe queimara a mocidade - amor tão infeliz que a noiva morrera duma tísica. Daí aquela renúncia indissipável pela convivência da sociedade, por qualquer contacto humano que pudesse tonificar-lhe a alma ao sopro fresco e consolador do menor alívio.

Dizia-se, também, que ele ia, em cartas noites, a horas mortas, sentar-se junto das grades do cemitério, numa evocação dolorida e angustiada dos seus dias felizes - esquecido do mundo, esquecido de si próprio, do seu único amigo, que se lhe enroscava aos pés, ressonando no silêncio e na escuridão.

Augusto César deixou uns cinco pequenos volumes, novelas ingénuas impregnadas dum lirismo sentimental e doentio, que parecem corroborar a lenda amorosa que o seguiu até à sepultura.

Recolhido na sua amargura, como na densidade duma muralha de bronze, creio que nunca a revelou a quem quer que fosse. De modo que o mistério e a lenda que o envolveram em vida pairam ainda, impenetravelmente, em torno da sua memória e do seu nome.

Só não há lenda nem mistério na sua fé política, na sua doutrina revolucionária, toda banhada dos sonhos melancólicos de 48, na intransigência duma honradez vitoriosa dentro de todas as contingências e de todas as crueldades do destino.

Um dia, a estupidez selvagem e má fé dum agente municipal matou-lhe o cão, o seu único amigo. Augusto César sofreu com essa morte um embate violento e rude. Pouco depois morria também.

E a imaginação popular, simples e comovida, deu desde logo novas tintas, mais carregadas, novos traços, mais doloridos, à lenda íntima do velho democrata.

Matou-o a saudade... - afirmava-se.

Até no episódio final da sua vida, Augusto César nos deixou no espírito a impressão estranha dum herói sombrio de romance."

Coimbra, 23-3-1907

Alberto de Sousa Costa

Fonte: “Ilustração Portuguesa”, nº77. 12 de Agosto de 1907

"Rua Augusto César" - Vila Real


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