As Cavalhadas da Campeã em 1904
As Cavalhadas da Campeã em 1904
Três eleitos varões,
De quem corre grande fama,
Querem glorificar
A milagrosa Sant'Ana.
O costume é serem quatro
Nestes anos atrasados,
Mas só ficaram três est'ano
De sete que foram nomeados.
Três não quiseram aceitar,
Sendo José Pinto, brasileiro,
Mas muito feito no ar
Desprovido de dinheiro.
O Cigarra muito fora de idade,
Mas muito dentro da lei,
Quando soube que era mordomo,
Faltou gritar: aqui d'el-rei.
Havendo moços esplêndidos
N'esta populosa freguesia,
Foram nomear o Cigarra de Parada,
A mais fraca coisa que havia!
Brilharão no arraial,
Vinte e duas árvores de fogo,
Para engrandecimento de Sant'Ana
E admiração do povo.
Doze girândolas de foguetes,
Dez dúzias de foguetões,
Farão ver à Campeã
Que os mordomos são pimpões!
Dizem que há de haver
Uma grande iluminação:
Só se for que peguem fogo
Às vertentes do Marão.
Fonte: “O Concelho de Vila Real” – Julho de 1943,
Bandeira de Toro
As Cavalhadas da Campeã
As Cavalhadas
da Campeã remontam a um passado longínquo, demonstrando alguma coisa
subjacente a comprovar a capacidade e a força de uma região pouco acessível,
unida, invencível; uma área de privilégio que a dado momento deixou de pensar
em lutas, para se divertir com a força da cavalaria.
A própria
palavra «Rótulo» indica a origem remota dos tempos em que se escrevia em
pergaminho, levando-nos a crer que o «Róteli» é termo digno de estudo mais
profundo e pormenorizado, juntamente com a «Lua», todos os anos declamada pelo Carnaval,
para crítica e chacota, onde se dão e apanham boas zurzidelas, com vista à
moralização da vida social, segundo o modo do clássico latino: «ridendo,
castigat mores».
O «Rótle»
ou «Rótli» é um discurso em verso, geralmente em quadras, dirigido ao povo,
pelo chefe de cada grupo de cavaleiros, como adiante se verá.
A Campeã
Campeã é uma das
29 freguesias do concelho de Vila Real, situada na ponta ocidental do concelho,
a confinar com os concelhos de Amarante e Mondim de Basto.
A Campeã,
briosa e ciosa das suas tradições velhinhas, encrespa-se, teimando por não se
deixar esmorecer. De um ao outro ano, é sempre uma esperança renovada, como que
o reflorir de qualquer outra primavera.
Os quatro
mordomos da festa de Santa Ana - esposa de S. Joaquim e mãe de Nossa
Senhora - esses quatro moços, de punhos de renda, constituem-se quatro polos
daquele mundo, sobre os quais tem de fazer-se o movimento de rotação da maior
festa das redondezas do Marão.
São
nomeados pelos mordomos do ano corrente, no momento solene da missa da festa,
depois do sermão, pronunciados os seus nomes pelo pregador, correspondendo a um
segredo de deuses caído como explosão de uma bomba no terreno da curi0sidade do
povo.
A sua
nomeação sob a aprovação do pároco da freguesia, vincula-os à missão de
suportar os nada leves encargos da festa, como sendo um acto sacramental.
As funções
do mordomo comportam uma parte mítica que os transporta, pelo espaço de um ano,
a uma atmosfera nova em que a sua pessoa se transfigura em símbolo.
Correm a
área planáltica, aos domingos, cada qual ostentando ao ombro, como ornamento,
um saco de linho bordado a ponto de cruz, indo de casa em casa, fazer o rol das
promessas em dinheiro que cada família irá cumprir no dia da festa.
Este
planalto da Campeã é um cálice de linda flor, cálice gigantesco, entre
as pétalas descomunais do Marão e do Alvão, com a terceira pétala
da Fraga de Panassuar, mas faltando-lhe a 4ª pétala, a nascente. Não lhe
nasceu ainda; pelo que é evidente a meninice do vale planáltico da Campeã.
Teima em ficar
sempre como infante sem um dente, a ver se por ali espreita a tetinha materna
da «Vila». É que Vila Real é a mãe da menina Campeã. O Pai Marão dá-lhe mimo, mas a mãe pouco
lhe dá do muito que ela precisa.
Nesta
Campeã idílica e edénica, a festa é o acontecimento de grande relevo a toda a
roda do Marão.
Quando
aparecem a pegar às quatro fitas do andor de Santa Ana quatro mordomos dos de
sangue na guelra e herdeiros de nome a ressoar ao longe, então, aí todo o mundo
aventa: para o ano é que vai ser!...
E é.
Os
mordomos pronto fazem constar que «ou a coisa vai ou rebenta».
Aquela
gente é assim. Quando diz que vai, vai mesmo. E para ir, é muito importante o
«levantamento» do povo «em tecto», o que se obtém, por exemplo, com a promessa de
nesse próximo ano se fazerem as Cavalhadas, que só lá de tantos em tantos anos
se conseguem realizar.
O Cartaz da Festa de Santa Ana
As
Cavalhadas são o cartaz mais cartaz de quantos se possam imaginar. Tudo quanto
irei dizer a seu respeito, não se pode considerar «cornos da lua» hiperbólicos.
É o fim do
mundo!
Há
maluquinhos apaixonados que se deslocam de muito longe, até desde o Porto, só
para assistirem à passagem do «Cartaz Ambulante»: as Cavalhadas da
Campeã.
Elas são,
nem mais nem menos, o anúncio da festa «da Santa Ana».
“Cavalhadas na Campeã (Marão)”, António da Eira em Costa, in Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia - Fase. 2 - Vol. 24 – 1982 (texto editado e adaptado) | Imagem (tratada)