O Protonotário Apostólico D. Pedro de Castro
Como já por diversas vezes afirmei, em números anteriores do nosso jornal, D. Pedro de Castro foi um dos grandes beneméritos de Vila Real – se não o maior – contribuindo muito para o seu desenvolvimento, nas primeiras décadas do século XVI, através de diversos melhoramentos.
Mas será oportuno perguntar: - De onde era natural esse
ilustre benemérito, que foi protonotário apostólico em Vila Real e abade de
Mouçós (concelho de Vila Real) e Freamunde (concelho de Paços de Ferreira)?
Na opinião de António Lopes Mendes, em apontamento que
enviou ao Abade de Miragaia, o protonotário era vila-realense e, provavelmente,
da freguesia de S. Dinis. (1)
Mas, já não é da mesma opinião outro nosso conterrâneo, o
Dr. Artur Gomes de Carvalho, em artigo publicado n’O Povo do Norte, de
12-2-1928, no qual nos dá a saber as consultas que fez nos manuscritos da
Colecção Pombalina, existente na Biblioteca Nacional, relativamente à
naturalidade de D. Pedro de Castro, e que se resumem no seguinte:
O avô paterno do protonotário, chamado Fernão Peres Coronel,
foi regedor da cidade de Segóvia, onde “alcançou no ano de 1492, dos reis Católicos
D. Fernando e D. Isabel, privilégio e mercê, para que a ele e aos seus filhos,
filhas, genros, netos e descendentes, fossem havidos e tidos por fidalgos de
Solar conhecido, e de vingar quinhentos Soldados, segundo o foro de Espanha com
as mais honradas graças e liberdades de que gozam os homens fidalgos, e que
pudessem trazer Armas e chamar-se do apelido que tinham, mandando que o tal
privilégio tivesse força de lei em juízo.
Desse Fernão Peres Coronel descenderam cinco filhos,
chamando-se o primogénito João Peres Coronel. Este ficou a residir em Segóvia,
onde casou com D. Maria de Leão (descendente em linha directa de um irmão, ou
irmã, de D. Inês de Castro).
Do matrimónio de João Peres Coronel com D. Maria de Leão
nasceram, em Segóvia, os seguintes filhos: - João de Leão Coronel, Nicolau
Coronel, D. Maria Coronel e Pedro Coronel.
Destes, Nicolau Coronel estudou medicina na Universidade de
Salamanca e “veio para Portugal antes do fim do século XV, visto que, em 6 de
maio de 1499, lhe foi concedido o privilégio de fidalguia, por alvará dado em
Cintra, o qual se acha registado na Torre do Tombo, e no livro 4º dos Místicos,
a folha 116, alegando-se para a concessão deste privilégio, os serviços
prestados como físico que foi das rainhas D. Isabel e D. Maria, primeira e
segunda mulheres do rei D. Manuel. (2), ainda segundo opinião do Dr. Artur
Gomes de Carvalho, n’O Povo do Norte, de 19-2-1928.
Como primeira esposa de D. Manuel já era viúva do príncipe
D. Afonso de Portugal (com que casara em 3 de Novembro de 1490), é provável que
Nicolau Coronel viesse para Portugal, acompanhando a princesa D. Isabel, em
1490.
Quanto a Pedro Coronel, sabe-se que estudou, primeiramente,
gramática e filosofia, e depois direito civil e canónico, e que mudou e apelido
Coronel para Castro, que era o dos seus antecessores de linha materna.
É este o nosso insigne protonotário apostólico, D. Pedro de
Castro.
No que diz respeito à sua vinda para Portugal, existem
certas opiniões contraditórias.
Segundo o Dr. Artur Gomes de Carvalho, baseando-se nas suas
consultas, “o casamento de D. Catarina
com D. João 3º é que motivou a vinda do protonotário para Portugal, como
capelão de D. Maria Carfeñas, dama da rainha, e se não fora este casamento, o
D. Pedro de Castro ficaria lá por Castela, e Vila Real privada do seu Grande
benfeitor.”
Mas D. João II ascendeu ao trono em 1521, e as “Memórias de Vila Real” de 1721 (3)
referem que D. Pedro de Castro contribuiu, com a fabulosa soma de quatrocentos
mil reis, para a conclusão da ponte de Santa Margarida, construída em 1490! Em
que ficamos?
As dúvidas, sobre a época em que D. Pedro de Castro veio
para Portugal, desfazem-se ao consultarmos a obra do Dr. Mendes dos Remédios,
Os JUDEUS EM PORTUGAL (Vol. I), Coimbra, 1895, p. 298, onde se l^:
“(…) Quando o espírito
se deixa cegar por uma idèa, não pode ser bom conselheiro. A idéa preferida
obra como luz intensa produzindo um desvio intellectual. Foi uma espécie de
loucura e de desvario, que atravessou o cérebro de D. Manuel e o daquelles que
o rodeavam. Em vez de embarcações, que os tirassem da jaula que os guardava, os
judeus famintos e ardendo em sêde recebêram a visita de dois irmãos
convertidos, que se dispuseram a cathechisá-los. Eram mestre Nicolau, que fôra
medico da rainha de Hespanha D. Isabel, e D. Pedro de Castro, eclesiástico e
protonotário em Villa Real.”
E numa chamada, ao fundo dessa mesma página, cita:
“… E tanto ~q forão
juntos os não deixou ir, e os mandou meter nos Estaos onde lhe não davão de
comer, n~e de beber & ahi lhe mandou pregar por homee~es douctos da sua
nação ~q já erão tornados xpãos, e forão hã mestre Niculauo ~q depois foy
physico da raynha D. Isabel filha dos reis catholicos, E h~u seu irmão chamado
D. Pedro de Castro hom~e virtuoso ecclesiastico protonotario em Villareal…”
– Apologia em abono dos christãos, etc.
Esta citação do Dr. Mendes dos Remédios refere-se ao
manuscrito, de autor anónimo, intitulado Apologia em abono dos cristãos
cognominados novos d’este reino de Portugal, dedicado à Santidade de Urbano
VIII, pontífice supremo – 1624, pelo qual se fica a saber que D. Manuel, após o
decreto de expulsão de todos os judeus do país (mais de vinte mil), os fez
concentrar em Lisboa e mandou que fossem encerrados no Palácio dos Estaos, na
esperança de que se convertessem.
Por essa leitura, conclui-se que D. Pedro de Castro, tal
como seu irmão Nicolau Coronel, já se encontravam em Portugal, no reinado de D.
Manuel.
Além disso, ficamos a saber que ambos eram judeus
convertidos ao Cristianismo, isto é, cristãos-novos, o que não deixa de ser
surpreendente.
Já referi, neste semanário, que ao protonotário se atribuem
diversos melhoramentos em Vila Real (entre 1490 e 1532), tais como, a
edificação das Capelas de Santa Margarida e de S. Sebastião, da Igreja da
Misericórdia, e a valiosa contribuição para a construção da primitiva ponte de
Santa Margarida.
Mas devem-se-lhe também a transferência do chafariz em
granito, que se encontrava situado perto do ângulo sudoeste do actual edifício
da Câmara, para a parte sul do Campo do Tabolado (Jardim das Camélias), e a
construção de uma nova canalização para a condução de água, em 1532, o que
levou a rapaziada a cantar pelas ruas:
“Vamos ver o cano
Que agora se fez,
Fê-lo o protonotário
E não o marquês.”
Há quem explique a transferência desse chafariz para o Campo
do Tabolado, justificando que o novo lugar se situava em frente à casa de
habitação do protonotário. Esta ficava contígua, para o lado norte, à da
família do Dr. Tibúrcio Monteiro, e em cujo chão existe hoje o prédio onde
estão as instalações da Mabor.
Um outro melhoramento de grande vulto para Vila Real, que se
deve também a D. Pedro de Castro, é o que diz respeito à fundação da Igreja de
S. Pedro e respectiva paróquia, em 1528.
A igreja Paroquial de S. Pedro começou por ser instalada na capelinha de S. Nicolau (que deve corresponder à actual capela-mor), até que o protonotário apostólico decidiu iniciar a construção da nova Igreja, em grande parte feita à sua custa.
Viria a ser substancialmente beneficiada nos primeiros
anos do século XVIII, por iniciativa de José Moutinho de Aguiar, então juiz
dessa Igreja, que, com dinheiro seu e avultadas esmolas que requereu, a ampliou
e lhe fez o vistoso frontispício com as duas torres que ainda lhe vemos.
Outro benefício registado nessa Igreja ficou a dever-se a
Domingos Botelho da Fonseca Machado, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, que
mandou revestir a azulejo a capela-mor, em 1692, o eu se pode ler na inscrição
aí existente.
É nessa antiquíssima Igreja Matriz de S. Pedro que, segundo
a tradição, jaz em sepultura própria, no supedâneo do altar do Senhor Jesus, o
seu benemérito fundador e protonotário apostólico, D. Pedro de Castro.
(1) In Portugal Antigo e Moderno, Vol. XI, Cap. “Vila Real”
(1885)
(2) Artur Gomes de Carvalho, n’O Povo do Norte, de
19-2-1928.
(3) Memorial sobre “Vila Real e seu termo”, manuscrito em
1721 para a Academia Real de História, p. 201 (e).
Por Lourenço Camilo
Costa
In A Voz de
Trás-os-Montes de 25-4-85
(Texto publicado com autorização da família)