Vila Real de Trás-os-Montes, por A. Lopes Mendes, em 1886

Vila Real de Trás-os-Montes

(Desenho do natural pelo artista amador sr. Lopes Mendes)

Vila Real de Trás-os-Montes

Vila Real, essa gentil princesa dilecta do rei lavrador D. Dinis, príncipe insigne em muitas virtudes, que em 1289 mandou proceder à sua fundação, arvorando-a em capital da terra de Panóias, demora a 41º e 16' de latitude norte e a 1º 20' de longitude oriental do meridiano de Lisboa.

Assenta, como mostra o nosso desenho do natural, sobre imponentes alcantis, donde se disfrutam belos e pitorescos horizontes.

O solo que lhe serve de base é enxuto, porque os dois rios Corgo e Cabril, que a cercam, correm fundos e vertiginosos; além disso, é toda assente em terreno granítico, alto, alegre e arvorejado, com exposição ao nascente, sul e ocidente, e por consequência mimosa, de uma atmosfera oxigenada e cheia de sol, tanto na florida primavera como no fértil estio, no rico outono e brando inverno.

As montanhas que coroam Vila Real são as serras do Marão a oeste, e a da Machada e do Mezio a noroeste.

É nestas montanhas que tomam origem os rios Cabril e Corgo, que enlaçam nos seus amplíssimos braços de cristalina água a excelsa rainha das vilas de Portugal.

Pelo lado de oeste e noroeste segue o Cabril por entre férteis e deliciosas campinas na sua marcha para o sul da vila.

Por leste, o Corgo corre entre vergéis floridos até à ponte de Santa Margarida, e daqui, depois de formar os célebres Poço Romão, Aguieirinho e Poço dos Frades, dirige-se por declivoso alvéolo, entre profunda e entaliscada penedia formada de rochas graníticas muito duras, até ao ponto chamado ínsua, onde se reúne ao Cabril, para em seguida, no mesmo leito, irem a 27 quilómetros de distância desaguar no rio Douro, na extremidade oriental da vila da Régua.

Entre estes rios está a formosa capital de Trás-os-Montes recostada sobre pitorescos alcantis, e sempre gentilíssima como belo dia de primavera, luminoso e doce, pelos variados encantos que oferece de todos os pontos que se contemple.

Sugestões:


Qualquer que seja a estrada que se tenha seguido para chegar a Vila Real, ou se entre pela nova ponte de pedra sobre o Cabril na moderna estrada do Marão e da estrada da Régua, que convergem em Parada de Cunhos, ou pela ponte de Almodena [ponte de Machados], a montante da primeira, na antiga estrada do Porto e Torre de Quintela, ou da de Lordelo, a nordeste e montante da de Almodena e pontão de Vila Marim, ou, descendo a estrada de Chaves, se atravesse pelo norte e nordeste da vila as belas quintas de S. Mamede e Montezelos, ou finalmente se passe a ponte da Timpeira sobre o Corgo na estrada de Bragança e Sabrosa, a Vila Real alegre apresenta-se aos olhos do viajante como a mais risonha das povoações transmontanas.

Mas, sobre todos os pontos de vista, sobressai o que se goza quando se desce de Mateus pela antiga estrada que conduz ao bairro de Santa Margarida na margem esquerda do Corgo, como se vê no desenho que hoje publicamos [imagem acima].

Vila Real, a quem a natureza deu a arte suprema de ser de ano para ano mais formosa, surpreende agradavelmente todos os visitantes estrangeiros.

Quanto a nós, filho desta sedutora vila, quando, depois de havermos percorrido uma grande parte do mundo, voltámos, no fim de vinte anos, a visitá-la, mil lembranças do passado nos saltearam o espírito.

Sentimos esse prazer mesclado de tristeza que experimenta todo o homem sensível, de largas e arriscadas viagens, quando, depois de mil vaivéns da fortuna, torna a ver os lugares onde na infância desfrutou alegres e serenos dias.

É grande o amor do vila-realense ao ninho seu paterno, como prova a canção popular que, com verdadeiro sentimento, diz:

«Oh! Vila Real alegre,

Capital de Trás-os-Montes!

No dia que te não vejo

Meus olhos são duas fontes!»

Tal é a saudade - tormento doce e magoado - que produz nos filhos ausentes.

Do passeio oriental da primitiva vila, denominada Vila Velha, goza o visitante um panorama característico e muito digno de ser contemplado por quem ama o belo-horrível.

Fronteiro ao passeio vê-se despenhando-se do alto da grande trincheira da margem esquerda do Corgo, que serpenteia furioso a uma profundidade de 150 metros, aproximadamente, o ribeiro de Vilalva, ou da Tourinha [Tourinhas], formando uma catadupa imponente e maravilhosa que faz mover mais de 40 azenhas, denominadas Moinhos de Peneda, firmados na íngreme penedia, ora nua, ora vestida de ridente vegetação.

Sugestões:


Vila Real, sede do distrito, da comarca e do concelho do seu nome, é formada por duas paróquias: S. Dinis e S. Pedro, e tem 6.106 habitantes distribuídos por 1.750 fogos.

Já em 1721 contava esta vila, bem digna de gozar os foros de cidade, 45 ruas, largas e ben calçadas, além de muitas travessas, cujos nomes se podem ver nas Antiguidades de Villa Real, que a seu tempo publicaremos com muitos desenhos do natural.

Tem magníficos campos, praças, passeios, um jardim público, três conventos e um recolhimento, casa da roda para enjeitados, um liceu, um biblioteca pública, casa da misericórdia com esplêndido e bem dotado hospital, muitas igrejas e várias capelas, um asilo de infância desvalida, um asilo de entrevados, paços do concelho, palácio do governo civil, tribunal, teatro, club, cafés, muitas oficinas de diversos misteres, e tipografias onde se imprimem os jornais: Commercio de Villa Real, Districto de Villa Real, Juventude, Villarealense, e Transmontano.

Tem esta vila 36 edifícios brasonados, sendo 26 particulares e 4 públicos, um chafariz monumental, e 13 fontes públicas de excelente água potável, além de muitas nascentes de quintais e hortas, o que, reunido às condições alimentares, agrológicas e climatéricas, muito concorre para a salubridade excepcional desta vila, onde a fecundidade da mulher é grande, e a longevidade dos habitantes muito notável, pois ainda em Julho de 1875 aqui faleceu Bento de Queirós com mais de 100 anos, e o avô materno no autor destas linhas com 112 em 1853.

O principal campo de Vila Real é o denominado Campo do Tabolado, onde se encontra o chafariz monumental, mandado construir em 1532 pelo benemérito vilarealense protonotário [apostólico], D. Pedro de Castro.

Existia neste campo uma galeria coberta, chamada Arcos da Praça, que se apoiava em 14 arcos de granito, mandada fazer pela câmara municipal em 1749.

Decorava esta galeria, (ultimamente demolida para dar lugar à construção dum novo mercado coberto) a estátua de Vila Real, em forma de mulher, vestida (como Minerva sob o nome de Palla) de guerreiro com lança, escudo e capacete penachado, tendo no pedestal a inscrição seguinte:

QUOD REGALE NOMEN GERO

MIHI RUBORE PARTU EST

REGIA NON ALITER NOMINA

PARTA GERAS

que talvez possa traduzir assim:

«O nome de Vila Real que tenho, conquistei-o com grande esforço. Não queiras títulos reais obtidos por outra forma».

É ainda no Tabolado que, fronteiro ao antigo convento de S. Domingos, aonde está o mausoléu que encerra os restos mortais da 5ª avó paterna do nosso mais prodigioso artista da palavra, afectuoso amigo e mestre, o ex.mo Camilo Castelo Branco, Visconde de Correia Botelho, avultam entre outros edifícios, as ruínas da nobilíssima Casa do Arco, antigo solar dos marqueses de VilaReal.

Este edifício tem sofrido muitas reconstruções, mas ainda conserva um lanço com ameias e algumas janelas e portas ogivais da primitiva construção.

Se na índole do Occidente coubesse ampla descrição, transcreveríamos aqui o que de mais notável acaba de ser publicado sobre Vila Real no dicionário Portugal Antigo e Moderno, por Pinho Leal, onde o leitor achará a mais completa e primorosa descrição que sobre esta vila se tem publicado, feita pelo digníssimo continuador do dicionário, o nosso prezado amigo e companheiro de trabalhos na Serra da Estrela, o ex.mo Dr. Pedro Augusto Ferreira, Abade de Miragaia, homem de grande erudição, profundo saber, carácter cavalheiresco, espírito generoso e coração dedicado a todas as virtudes.

(...)

A. Lopes Mendes

Fonte:"Ocidente", nº279 - 1886 (texto editado e adaptado. Os negritos são da nossa responsabilidade)

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