Matias Lourenço de Matos, mestre pedreiro de Vila Real no século XVIII
Assinaturas de Matias Lourenço ou Matias Lourenço de Matos |
1.- Pouco ou nada se sabe sobre os
artistas e artífices de «arquitetura» que trabalharam em Vila Real e seu
termo durante os séculos XVII e XVIII.
Alguns nomes dispersos, ligados à
construção ou reconstrução de um edifício (1) ou, a maior parte das vezes, um
desconhecimento total sobre os autores do risco e sobre quem o executou, é tudo
o que possuímos.
Matias Lourenço de Matos é uma excepção.
Pela primeira vez, um conjunto de documentos
(2) ligados à figura do mesmo mestre de pedraria, permitem acompanhar a sua
actividade durante 47 anos (3).
2. - Natural da Timpeira,
era filho de Pascoal Fernandes (4), morador no mesmo lugar, ignorando-se
o nome da mãe.
Em 1739, aparece já casado com Maria
Francisca (3), de quem enviuvou (6), tendo tido pelo menos dois filhos, Jerónimo
de Matos e Manuel Lourenço (7).
Além destes familiares conhecemos
ainda: Domingos de Matos de Carvalho, seu tio (8); seus sobrinhos Francisco
Correia de Matos (9), Jerónimo Correia de Matos (10) e João
Correia de Matos (11), também pedreiros, e principalmente o seu irmão João
Lourenço de Matos (12), cuja actividade, como mestre pedreiro, acompanha
muitas vezes a de Matias Lourenço de Matos, trabalhando, para além
disso, em outras obras, tanto em Vila Real como no seu termo (13).
Ainda que natural da Timpeira,
e após uma estadia em Lisboa (14), fixa-se em Vila Real, onde
aparece já a residir em 1739 (e onde iria possuir «huma morada de cazas tilhadas
e sobradadas com seu quintal e videiras e arvores de fruta que tem e pessuem nesta
Villa Real na rua dos Vazos que partem com o passeio de Sam Joam da Fraga e com
Maria Nunes que lhe costaram duzentos mil reis [...] e asim mais outra morada
de cazas em que vivem telhadas e sobradas com seu quintal e forno publico sitas
na rua do Cabo da Villa [...] que partem de huma banda com Jozefa de Souza e da outra com
Thiodora Maria») como sabemos por uma escritura de compra (15) pela qual
adquiriu a João Botelho Correia da Fonseca Machado, uma propriedade, no lugar
da Preguiça «lemite do lugar de Sam Martinho de Matheus», que constava de «huma
vinha com seu olival e souto e cortinha e caza e lagar» (16).
Venderia, em 15 de Junho de 1772,
juntamente com os seus filhos - Jerónimo de Matos (17) e Manuel
Lourenço metade desta propriedade, a Manuel Alves Moreira (18).
Os documentos sobre a actividade
de Matias Lourenço de Matos vão de 1739 a 1772, período durante o qual
podemos seguir as obras que arrematou e que fornecem muitos dados para um
melhor conhecimento de Vila Real e seu termo no século XVIII.
Arrematando, só ou em sociedade o
que acontece frequentemente obras simples (19) ou de maior vulto, encontramos
em Matias Lourenço de Matos (20) um representante daquele conjunto de
executantes «mestres de pedraria, carpintaria, imaginária, pintores,
ensambladores e escultores» (21) que desempenharam um papel preponderante na
actividade artística de então.
Trabalhando numa região, onde até
ao momento são raras as obras ligadas a artistas de nomeada, se exceptuarmos Nicolau
Nasoni - pinturas da igreja da Cumieira (22), intervenção nas obras
da construção do solar de Mateus (23) - e Jacinto da Silva, autor
do risco do retábulo da capela-mor da igreja de Parada de Cunhos (24), a
actividade de um mestre pedreiro, como Matias Lourenço de Matos
(executante, empreiteiro e muitas vezes autor do risco) é de suma importância.
Notas:
(1)Natália Marinho Ferreira Alves e Joaquim J. B. Ferreira Alves, Subsídios para um dicionário de artistas e artífices que trabalharam em Trás-os-Montes nos séculos XVII-XVIII (1) (no prelo); idem. Alguns artistas e artifices setecentistas de Entre Douro e Minho em Vila Real e seu termo. Subsídios para um dicionário de artistas e artifices que trabalharam em Trás-os-Montes nos séculos XVII-XVIII (II), sep. «Bracara Augusta», XXXV. 79(92), Braga, 1981.
(2) Do Arquivo Distrital de Vila Real.
(3) O documento mais antigo é de 1733 e o mais recente de 1780.
(4) Apêndice Documental. Docs. I e 3.
(5) Idem. Doc. 2
(6) Aparece já viúvo num documento de 1 de Outubro de 1770. Idem. Doc. 16.
(7) Idem. Doc. 21.
(8) Idem. Doc. 8.
(9) Idem. Doc. 16. Ver Natália Marinho Ferreira Alves e Joaquim J. B. Ferreira Alves, Subsídios para um dicionário de artistas e artífices que trabalharam em Trás-os-Montes nos séculos XVII-XVIII (I). (no prelo).
(10) ADVR. Livro de notas, m. 134. n.º 95, fls. 80-80 v.
(11) Natália Marinho Ferreira Alves e Joaquim J. B. Ferreira Alves, ob. cit.
(12) O abade de Baçal. refere-se a um João Lourenço de Matos que, juntamente com Manuel de Matos e Agostinho Gonçalves e mestres canteiros assistentes em Bragança», tinha arrematado, em 1770, a obra da capela-mor da igreja da Figueira (freguesia de Travanca, concelho de Mogadouro). Refere ainda que as condições a que devia obedecer a obra foram apontadas por João Lourenço de Matos mestre da Só. Cf. Francisco manuel Alves, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança. VII, Bragança. 1981. pp. 298-299 (Reedição do Museu do Abade de Baçal).
(13) Entre essas obras apontamos: em 1754, trabalhava nas obras da fonte da vila de Provesende, arrematando no mesmo ano, a fonte «da villa e couto de Goivaens» e uma capela no lugar de Casal de Loivos (Apêndice Documental. Doc. 10): er 1757, arrematou o conserto do chafariz do Campo do Tabolado (ADVR. Arrematações. n.º 112. fl. 51) e em 1762 trabalhava na obra do «passo do comcelho de Alijó» (ADVR. Livros de notas. Alijó, m. 1, n.4, fls. 33-34 v.).
(14) Apêndice Documental. Doc. 1.
(15) Idem. Doc. 2.
(16) Esta propriedade «parte de huma banda com a viuva de Agostinho Ribeiro do logar de Abanbres e da outra com as duas estradas publicas que vão para Mateus e Abanbres». Idem. Doc. 14.
(17) É com uma escritura de dote de Tomásia Luisa da Rocha Pais, de 28 de Outubro de 1780, para «aver de cazar» com Jerónimo de Matos, que temos. até ao momento, a última notícia sobre Matins Lourenço de Matos Idem. Doc. 22.
(18) Idem. Doc. 21. Nem sempre a vida de Matias Lourenço de Matos teria sido fácil: em 23 de Dezembro de 1746, pede emprestado a Francisco José Teixeira de Azevedo, capitão-mor de Vila Real (Luis Cyrne de Castro, Do Passado de Vila Real, Coimbra, 1959, p. 187), 50000 reis (Apêndice Documental. Doc. 4) e «doze moedas de ouro de quatro mil e oitocentos reis» a José Álvares Guerra, da mesma cidade (Idem. Doc. 9); e no ano seguinte, 30 000 reis, ao convento de Santa Clara de Vila Real, sendo madre abadessa Clemencia Maria de São Bernardo (ADVR. Livros de notas, m. 39. n.° 45, fls. 31 v.-33 v.). Em 10 de Novembro de 1770, vendeu a José de Meireles Alves «humas moradas de cazas com seu quintal que sam telhadas e sobradadas sitas na rua dos Vazo» (Apêndice Documental. Docs. 17 e 18).
(19) Em 27 de Novembro de 1755. arrematou por 22000 reis o «soco e pé da estatua de Vila Real». ADVR. Arrematações. n. 112. fls. 39.39 v.
(20) Nos documentos aparece designado Matias Lourenço ou Matias Lourenço de Matos, assinando também das duas formas.
(21) Aurélio de Oliveira. Contribuição para o estudo dos elementos arquitectónicos seiscentistas da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. sep. do volume IV das Actas, Guimarães, 1982. p. 263
(22) D. de Pinho Brandão. Nicolau Nasoni. Pintor da Igreja da Cumieira, sep. «Museu», segunda série. n.º 7, Porto 1964.
(23) Robert C. Smith, Nicolau Nasoni. Arquitecto do Porto, Lisboa, 1966, pp. 97.100
(24) Natália Marinho. O retábulo da capela mor da igreja de S. Cristóvão de Parada de Cunhos, sep. «Bracara Augusta», XXXIII, 75.76 (87-88). Braga. 1979.
Fonte: “Matias Lourenço de Matos, mestre pedreiro de Vila Real no século XVIII (Aportações documentais para o estudo da sua actividade”, Joaquim J. B. Ferreira Alves (texto editado) in Estudos Transmontanos, nº1, 1983