Da "Flor da Cidade" à "Pastelaria Gomes"

Em Vila Real “é inaugurada em 9 de Junho de 1925 (data em que também nasce uma filha do seu proprietário, Manuel dos Santos Gomes) uma pastelaria e confeitaria chamada "A Flor da Cidade", localizada na Rua António de Azevedo, n.os 9 e 11, onde mais tarde se instalaria a loja "Electromecânica", do conhecido Chico Americano, o Sr. Francisco Guilhermino de Carvalho.

Esta pastelaria foi fundada em sociedade com o Sr. Sebastião Duarte, sob a firma de Gomes & Duarte.

Note-se que, à data da fundação de "A Flor da Cidade", Vila Real era ainda vila, e só em 20 de Julho passaria a cidade.

Mas a verdade é que já ninguém tinha dúvidas de que a elevação estava para acontecer e o Sr. Manuel dos Santos Gomes antecipou assim em 41 dias o grande momento.


Manuel dos Santos Gomes (1890-1959) era natural de Cortinhas, concelho de Murça, e, antes de se fixar em Vila Real, andou pelo Brasil (onde foi caixeiro de um armazém de mercearia, empregado de mesa ecio do Hotel Democrata", no Rio de Janeiro) e por Angola (onde trabalhou em hotelaria, chegando a ser proprietário do "Hotel Paris" em Benguela).

Vem para Vila Real no início da década de 20 e, em sociedade com o mesmo Sr. Sebastião Duarte, explorou a "Casa Fafão" (mais tarde Casa Fafoa"), uma padaria e pastelaria no local hoje ocupado pelo Restaurante Churrasco" [ao tempo da publicação do texto], na Rua António de Azevedo.

Era nesta rua que Manuel dos Santos Gomes vivia, tendo uma mercearia, a "Casa Coimbra", no rés-do-chão da sua residência (também de sociedade como Sr. Sebastião Duarte, sociedade que se dissolveria em de Dezembro de 1926, ficando o Sr. Manuel dos Santos Gomes proprietário da "Casa Coimbra" e da Pastelaria "Flor da Cidade").



Em 21 de Dezembro de 1930, inaugura, no prédio contíguo (com os n.os 2 e 4), onde funcionara uma farmácia, a "Casa Gomes", uma leitaria e confeitaria, que rapidamente ganha a designação de "Pastelaria Gomes'".

Na inauguração, actuou a charanga do Asilo-Escola Augusto César.

No final dos anos 40, Manuel dos Santos Gomes adquire um conjunto de edifícios em mau estado, no Largo do Pelourinho, onde funcionavam, entre outras actividades, a "Papelaria Central", de José Pereira Cardoso, e a frutaria da Sarda. (1)

Manuel dos Santos Gomes constrói, naquele local, dentro da linha de exigência e qualidade que punha nas suas iniciativas, o sólido edifício que ainda lá se encontra e onde em 1952 se inaugura a nova "Pastelaria Gomes", com o seu salão de chá, e, em 1957, a "Cervejaria Gomes".






No telhado, não se esquece de instalar, como imaginoso elemento de marketing, um candeeiro (que ainda lá se encontra), destinado a dar sinal de que o estabelecimento ainda se encontrava aberto, aos clientes que, vindos à noite dos lados do Porto, chegavam ao cruzamento de Arrabães, donde se avistava Vila Real pela primeira vez.

A Pastelaria Gomes reforça assim a sua reputação, em parte devida aos pasteleiros, muitos deles oriundos da região do Porto e do Minho, que ali trabalham e acabam por fazer escola: os Srs. Reboredo, Ribeiro, Francisco Valente e Francisco Vieira.

De entre os pasteleiros "feitos" na casa, merecem referência especial os Srs. José Ferreira, Joaquim Coutinho e Aníbal Peixoto.

São ainda de mencionar alguns empregados que assumiriam funções de responsabilidade, e que também são um pouco rosto da casa, como os Srs. Francisco de Carvalho, Plácido dos Santos, Benigno dos Prazeres Ribeiro, António de Carvalho, António Baptista Vieira de Melo, António Augusto Taveira, Alberto Fernando Teixeira, António Botelho e João Machado - alguns deles conhecidos vulgarmente apenas pelo nome próprio seguido do determinativo "da Gomes".

Outro fator importante do êxito é a esposa de Manuel dos Santos Gomes, Dona Maria da Conceição Sousa Magalhães Gomes, que era o verdadeiro braço direito do marido e dirigia o fabrico de pastelaria e o serviço de exterior (festas, casamentos, batizados, etc).

Foi responsável também pela fixação de alguns dos produtos que estiveram na base do sucesso da pastelaria: as viuvinhas (também conhecidas por pastéis de Santa Clara), os pastéis de toucinho-do-céu (também conhecidos por cristas-de-galo), a bola de carne e os covilhetes.

Em relação a estes, diga-se que eram primitivamente comercializados apenas para a Feira de Santo António, mas a Dona Maria da Conceição, substituindo a massa tradicional por massa de meio folhado, possibilitou que tivessem uma duração maior e fossem vendidos todo o ano.

Ao êxito da "Pastelaria Gomes" seguiu-se, com toda a naturalidade, a expansão para outros locais da cidade, já por iniciativa dos filhos do Sr. Manuel dos Santos Gomes, e em particular de Getúlio e Tito Magalhães Gomes, que sempre trabalharam na casa.

A “Pastelaria Gomes" adquiriu, com o andar dos tempos, o estatuto de instituição vila-realense.

Como escreveu A. M. Pires Cabral, no seu Vila Real - Itinerário Mínimo, ainda que sem a citar por claro: "O café vem assim a ser, ao mesmo tempo e em todos os dias do ano, sucessivamente ou à uma, tribunal de costumes, aula de desporto, assembleia politica, tertúlia académica, antro conspiratório. Em resumo: feira das vaidades. (...) As vaidades compram-se e vendem-se, em Vila Real, à mesa do café.

Isto vem de encontro à ideia generalizada de que a entrada no mundo da política se fazia, em Vila Real, pela "porta" da "Gomes".

Esse tempo, porventura, já lá vai.

O Sr. António Baptista Vieira de Melo, ou quem o substituiu nas suas funções, já não guarda cadeiras para os senhores importantes da cidade.” (2)

(2) Fonte: “Da «Flor da Cidade» à «Pastelaria Gomes»” – Elísio Amaral Neves, em “Vila Real – História ao Café” (texto editado) | Imagem: Inauguração da leitaria e confeitaria “Casa Gomes” – 1930 – Coleção Tito Magalhães Gomes

(1) Na reunião da Câmara Municipal de Vila Real, realizada no dia 27 de Dezembro de 1943, foi presente "um requerimento de Manuel dos Santos Gomes, comerciante desta cidade, pedindo a cedência de dois metros de terreno ao longo de toda a frente dos prédios com frente para o Largo do Pelourinho, a fim de no local construir um edifício moderno."

A Câmara deliberou remeter o assunto "À Repartição Técnica para apresentar o perfil transversal da rua e a planta do local, devendo também apresentar sugestão para satisfação do pedido." (Livro de Atas / Arquivo Municipal de Vila Real | CT: AMVR/ALL- CMVR/B/A/001/Lv082)



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