OS BROCAS - Uma Ilustre família de Vila Real
A origem da
alcunha “Brocas” na família de Camilo Castelo Branco foi, sem dúvida, um dos
temas mais apaixonantes para alguns ilustres camilianistas.
No AMOR DE
PERDIÇÃO, o grande romancista explica a origem desse epíteto como sendo
atribuído a seu avô, Dr. Domingos José Correia Botelho e Meneses, quando
frequentava a Universidade de Coimbra, nos seguintes termos: - “Os dotes de
espirito não o recomendavam também: era alcançadíssimo de inteligência, e
granjeava entre os seus condiscípulos da Universidade o epíteto de “Brocas”,
com que ainda hoje os seus descendentes em Vila Real são conhecidos. Bem ou mal
derivado, o epíteto Brocas vem de broa. Entenderam os académicos que a rudeza
do seu condiscípulo procedia de muito pão de milho que ele digeria na sua terra.”
“Bem ou mal
derivado, o epíteto Brocas vem de broa”, escreveu Camilo. Na realidade, o
insigne escritor decidiu dar uma mera explicação, da usa própria lavra, para a
origem dessa interessantíssima alcunha, e, simultaneamente, desdenhar um pouco
do carácter de seu avô, ao afirmar que a sua rudeza “procedia de muito pão
de milho que ele digeria na sua terra”, dando-lhe assim o rótulo de “broeiro”.
Mas a
explicação que Camilo deu não é verdadeira, pois seu bisavô, Manoel Correia
Botelho, pelo menos, já era “possuidor” do referido epíteto, como se pode ver
no testamento, lavrado no livro de registo de “Testamentos da freguesia de S.
Diniz, de 1753 a 1807”, fls. 151 e 152:
“Testamento
com que faleseo da vida prezente Manoel Corr.ª Bottelho, viúvo que fico de
Luiza Maria de Menezes, da Rua da Piedade desta Freguezia de São Dinis, cujo
theor he o que abaixo se declara.
Em Nome de
Deos Amen = Saibão quantos este Testamento de ultima vontade, virem que sendo
no Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e oito centos, aos
sete Dias do mês de Novembro do dito anno, Nesta Villa Real e na cazas da minha
morada de mim Joze Bottelho de Souza ahonde veio Manoel Correia Bottelho Boca
desta mesma Villa Real com saúde, e por seu pé, e me dice que lhe escrevese o
seu Testamento de ultima vontade, por se achar adiantado em annos e na ultima
edade, sem esperanças de mais larga vida, temendo a morte, que é serta, e a
hora inserta, e as contas que hade dar ao Creador dos Ceos, e da Terra, para
dispor finalmente o que lhe fosse conveniente para a sua salvação na forma que
elle o ditase, o qual eu de ser rogo escrevi, e elle ditou, por se achar em seu
juízo perfeito, e entendimento, como elle emcolcava, pella maneira seguinte =
(…).”
Não se
transcreve o testamento na íntegra, para não me tornar fastidioso aos leitores,
mas os interessados poderão consultar o livro acima referido no Arquivo Distrital
de Vila Real.
De uma leitura
atenta do testamento de Manoel Correia Botelho, verifica-se que este não tinha
em muito boa conta o filho, Domingos José Correia Botelho. Depreende-se por
isso das referências às dívidas do filho e pelas recomendações que fez à pessoa
encarregada de fiscalizar o testamento.
O bisavô de
Camilo viria a falecer, na casa de sua residência (Casa dos Brocas), à rua da
Piedade, em 16 de Janeiro de 1801. (1)
Continuando à
procura da verdadeira origem da alcunha que celebrizou essa família – ao ponto
de o grande romancista ter projectado escrever um romance intitulado OS BROCAS
-, insignes camilianistas deram-na como certa no trisavô de Camilo, entre os
quais o Dr. Sousa Costa, que afirma (citando o “Processo Genealógico de Camilo”,
de Campos de Sousa), em CAMILO – No Drama da Sua Vida, 2ª edição, p. 33: -“O
tronco dos Brocas vem de raiz mais remota e mais profunda.
Outro
Domingos Correia Botelho, igualmente de Vila Real, vinculou a família à
alcunha, em primeira mão – e este nunca comeu pão broa em Coimbra.
Muito antes
da vara de que brotou o Juiz de fora, nasceu este longínquo Correia Botelho, na
freguesia de S. Pedro, sendo baptizado em 3 de Novembro de 1672. E foi-lhe
consignada a alcunha, não em referência à broa da sua mesa, mas à broca honrada
do honrado ofício de funileiro.”
Como é do
conhecimento geral, existe em Vila Real, na Rua Camilo Castelo Branco (antiga
rua da Piedade), a casa-palacete conhecida por “Casa dos Brocas”, onde nasceram
a 17 de Agosto de 1778 o pai de Camilo, Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco,
e seu irmão gémeo, João. (2)
Aqui deixo, em
traços gerais, algumas considerações que me parecem oportunas, relativamente a
uma “confusão” que o próprio Camilo criou, como tantas outras, sobre a sua
família.
Basta recordar
a referência que o grande romancista fez, no Discurso Preliminar das MEMÓRIAS
do CÁRCERE, acerca do “assassinato” do avô durante um assalto à Quinta de
Montezelos, quando na realidade o Dr. Domingos José Correia Botelho apenas
ficou ferido, vindo a falecer, alguns anos depois (1809), de morte natural, na
sua casa da rua da Piedade.
Quanto a datas,
nem vale a pena lembrar.
Temos um
exemplo, logo no início do 1º Capítulo do AMOR DE PERDIÇÃO. – “Domingos José
Correia de Mesquita Menezes, fidalgo de linhagem e um dos mais antigos
solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, 1779, juiz de fora de Cascais,
e nesse mesmo ano casara com uma dama do Paço, D. Rita Teresa Margarida
Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, (…).”
Como seria
possível o casamento ter-se realizado em 1779, se em 1778, residindo já em Vila
Real, nasceram os filhos gémeos Manuel Joaquim (pai de Camilo) e João?
É o que se me
oferece dizer, neste momento, acerca de uma ilustre família vila-realense,
conhecida por uma alcunha hereditária que, segundo a opinião de Campos e Souza,
o Dr. Domingos José Correia Botelho “imortalizou”, sendo conhecido por “Dr.
Brocas”, mas que Camilo Castelo Branco muito contribuiu para que não caísse no
esquecimento.
(1) Ver “Livro
de óbitos da freguesia de S. Dinis de Villa Real, de Setembro de 1778 até
Outubro de 1807”, fl. 92v..
(2) Ver “Livro
de registo de baptismos da freguesia de São Dinis, de 1776 até 1789”, fls. 22 e
23.
Vila Real, 28
de Julho de 1984
Lourenço
Camilo Costa
in “A Voz de
Trás-os-Montes” de 2-8-84
O texto foi
publicado com autorização da família