O pinheiro da Raposeira

O pinheiro da Raposeira - Vila Real

As cidades e as vilas sempre tiveram elementos que ao longo dos anos as foram caracterizando e identificando aos olhos dos outros: o enquadramento paisagístico e panorâmico, o traçado urbano, o património construído de relevante valor arquitectónico, histórico ou de antiguidade, o carácter de limpeza e salubridade, certos acontecimentos regulares como as feiras e as festas, a dimensão da vida comercial e industrial, as personalidades ilustres, etc.

Vila Real não é excepção.

Nas décadas de 80 e 90 do século XIX, após um notável surto de desenvolvimento, vai-se construir uma imagem que começa a projectar uma identidade de que nos dão conta as crónicas dos jornalistas de viagens e os trabalhos dos fotógrafos que, cada vez com mais regularidade, por aqui passavam.

Recuemos a 1889, altura em que o escritor e médico José Augusto Vieira, autor de "O Minho Pittoresco", se propõe editar obra semelhante relativamente a Trás-os-Montes ("Trás-os-Montes Pittoresco").

Para o efeito, encomendou a um professor de Favaios e distinto fotógrafo amador - Francisco José de Sampaio Arião - algumas vistas com que pretendia ilustrar o livro.

Entre estas, conta-se uma vista geral de Vila Real, o Largo de Camões com o chafariz, a Rua Central e Capela Nova, a Praça do Mercado, a janela gótica e ruínas do Palácio dos Távoras, a Ponte de Santa Margarida, a Cascata da Peneda, Parada de Cunhos e o Pinheiro da Raposeira,

A representação deste pinheiro - objecto da presente exposição - lado a lado com outros aspectos urbanos de grande relevância, prova o lugar que a árvore ocupava no imaginário
local.

E com razão, já que se tratava de um pinheiro manso, duplamente secular, existente na margem esquerda do Corgo, a norte dos moinhos da Peneda, na íngreme encosta da Raposeira, com um diâmetro na base de 4,10 metros, muito frondoso e apetecido para local
de repouso e merendas no Estio.

Um jornal da época referia-se-lhe nestes termos: "Árvore que faria as delícias de quem se lhe aproximasse em tempo de Verão, para gozar à sombra a beleza dum panorama encantador."

Um grupo de caixeiros locais, dinamizadores do movimento que conduziria ao encerramento dos estabelecimentos comerciais aos domingos e dias santificados em 30 de Janeiro de 1898, fez-se fotografar à sombra do pinheiro pelo fotógrafo Ribeiro, com atelier na Rua da Alegria

Pinho Leal (ou o continuador da sua obra, o Abade de Miragaia) refere-o como a árvore mais notável da vila nessa altura, a propósito do derrube, por um temporal, em 1845, de um cedro majestoso com aproximadamente 250 anos que existiu no Convento de Santa Clara e que havia sido plantado por ocasião da sua fundação (1602-1608).

O agrónomo, médico-veterinário e distinto escritor António Lopes Mendes (1835-1894), natural de Vila Real, representou-o num belíssimo desenho que ilustrava um artigo, igualmente de sua autoria, publicado na segunda metade dos anos 80 do século passado, na revista "O Occidente".

Em Portugal existem algumas árvores a que a história ou a tradição emprestam notoriedade.

O freixo que, segundo a lenda terá dado o nome a Freixo de Espada-à-Cinta; o álamo do Jardim da Cordoaria, no Porto, que a tradição diz ter sido utilizado para enforcar os paladinos da liberdade, no século passado [séc. XIX]; o castanheiro de Lamego; o negrilho de São Martinho de Anta, cantado por Miguel Torga; o plátano de Alijó - são alguns bons exemplos.

E também o pinheiro da Raposeira, em Vila Real.

Esta bela árvore tombou no dia 31 de Dezembro de 1897 - há precisamente cem anos -, vítima de um forte temporal que fustigou a região dois dias consecutivos.

A um ano de forte estiagem, sucedeu-se, nos dias 30 e 31 de Dezembro, uma chuva diluviana que a imprensa local («A Cruzada», «O Villarealense», «O Echo» e «О Trasmontano», entre outros) refere em temos impressivos - embora não se esqueça de referir também que a chuva, apesar de abundante, não tinha sido suficiente para restabelecer os mananciais exaustos pela estiagem e para beneficiar a agricultura.

Durante esse período sucediam-se 24 horas por dia as intervenções quer dos Bombeiros Voluntários, quer do recente Corpo de Salvação Pública, para acudir a constantes inundações, incêndios, derrocadas.

Às chuvas torrenciais juntou-se um fortíssimo vento que impedia as pessoas de transitar nas ruas.

O Rio Corgo cresceu consideravelmente.

Nessa noite de vendaval e susto, destelharam-se casas (sobretudo no Lugar das Árvores), arrancaram-se beirais, chaminés e clarabóias, partiram-se vidraças, saltaram as cúpulas das igrejas, caíram postes de iluminação pública, desapareceu praticamente a cobertura em ferro zincado do telhado da casa das máquinas do edifício da luz eléctrica, que naturalmente não funcionou nesse dia, ficando a vila mergulhada nas trevas.

Caiu também um número enorme de árvores - entre elas o célebre e já tradicional pinheiro da Raposeira, árvore que se tornou mítica para as gerações seguintes e que provocava nelas um sentimento de saudade, a lembrar o salgueiro da Ilha de Santa Helena, sob cuja sombra Napoleão manifestou o desejo - que foi cumprido - de ser sepultado.

Fonte: Desdobrável editado pelos Serviços Municipais de Cultura, por ocasião da exposição sobre “O pinheiro da Raposeira” 18 de Dezembro de 1997 a 11 de Janeiro de 1998. (texto editado e adaptado)

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