Vila Real de Trás-os-Montes: a origem, o nome, o brasão, a cidade…

Vista geral de Vila Real (segundo uma fotografia do sr. Lopes Martins)

Vila Real de Trás-os-Montes

Na assentada dum pequeno e verdejante monte, que se ergue em natural anfiteatro, fronteiro ao alcantilado e gigantesco Marão, correndo lhe aos pés os rios Corgo e Cabril, levantou D. Dinis, o rei lavrador, em 1289, a risonha e formosa vila, que denominou a Real, porque, diz a crónica, foi por sua real indicação que se escolheu tão aprazível sítio ou porque, de entre as demais vilas do reino, a futura capital da região trasmontana sobrelevava ou havia de sobrelevar a todas.

E, ou fosse vaidade de momento ou predição do poeta coroado, o que é facto, é que hoje, o vaticínio, se vaticínio houve, está realizado.

Vila Real é incontestavelmente uma das primeiras e principais vilas do país.

O nome…

Tem sido ponto controverso a etimologia do nome desta importante povoação do Norte, fazendo-o alguns derivar da situação topográfica da terra banhada por dois rios, vindo desta sorte a chamar-se Rial e por corrupção, mais tarde, Real.

Com tão acomodatício critério tínhamos muitas povoações em Portugal com a mesma denominação.

Parece-nos, todavia, salvo o devido respeito a tão conspícuos investigadores, que se deve ter como certo, que do facto de D. Dinis ter fundado a vila, mandando-lhe edificar um castelo e cercando-a de muralhas - já nada disto existe, - e de ter sido ele próprio quem, com a ponta da sua espada, indicou o lugar em que se devia erguer, se tirou o nome da vila.

Chamar-se-ia ela Real, porque, fundada por D. Dinis, foi por este monarca doada à rainha Santa Isabel, de cujas mãos passou para o senhorio da rainha D. Brites, esposa de D. Afonso IV e mais tarde dada pelo inconstante D. Fernando como presente de núpcias à formosa D. Leonor Teles, permanecendo sempre desta forma em poder da casa real, até D. João I, que fez dela mercê a um fidalgo de nome João Rodrigues Porto Carrero? É possível.

A estreiteza do espaço de que dispomos e a própria índole do nosso semanário, não nos permitem o alargar-nos em mais considerações históricas.

Não nos propusemos a fazer uma monografia circunstanciada de Vila Real, nem a desempoeirar velhos arquivos para profundas investigações acerca do que era e que papel político desempenhou a vila nos primeiros tempos da nossa monarquia e nas lutas que se travaram para a implantação do regime liberal entre nós.



O brasão de armas…

Não está igualmente bem assente qual é o brasão de armas de Vila Real.

Uns fazem-no consistir numa coroa de loiro tendo no meio escrita, a palavra Aléo: outros, e a meu ver, com mais justificada razão, descrevem-no da seguinte forma: em campo vermelho uma espada com a ponta mirada para baixo; emblema significativo da mais provável origem do nome da vila.

Reza a tradição, explicando o brasão - «coroa de louro com a palavra aléo,- que estando D. Pedro de Menezes, 2º conde de Viana, a jogar a choca ou o truque – jogo que consistia em fazer saltar uma bola batendo lhe com um pau, a que chamavam aléo -, se acercara dele el-rei D. João I convidando a ir tomar conta do governo de Ceuta, havia pouco conquistada, convite a que prontamente acedeu o denodado cavaleiro; e perguntando-lhe o monarca se poderia defender a praça das investidas dos mouros, lhe respondera D. Pedro de Menezes, «que com o aléo que tinha na mão a defenderia». (*)

A maneira esforçada com que o conde de Viana, e, mais tarde, conde de Vila Real, se houve no governo de Ceuta, fez que a esta Vila fosse dado o brasão acima indicado.

Felizes tempos em que os fidalgos jogavam a choca, governavam cidades em terras de inimigos, ganhavam batalhas e... escreviam modestamente com a ponta da espada as mais belas páginas da história portuguesa!

Vila Real - Igreja de São Pedro (segundo uma fotografia do sr. Lopes Martins)

A vila…

A vila, que é toda iluminada a luz eléctrica, tem aproximadamente 7.000 habitantes nas suas duas freguesias de S. Dinis e S. Pedro.

Logo à entrada da vila, quando chegamos da Régua, corre um vasto e ajardinado boulevard, formando as praças de Camões e de Lopo Vaz.

Destacam-se numa das extremidades deste largo passeio o importantíssimo edifício do hospital civil e a câmara municipal que tem ao seu lado esquerdo o governo civil, um verdadeiro palacete moderno; e na outra extremidade o velho convento de Santa Clara, uma elegante praça para os três mercados semanais e uma arquivetusta casaria, onde está instalado o liceu.

Encontram-se aqui também três bons hotéis.

Vila Real conta hoje três importantes institutos de beneficência, além do hospital civil, - asilo de infância desvalida para o sexo feminino; asilo-escola para o masculino e asilo para inválidos de ambos os sexos.

Submetido a todos os princípios da higiene e da arquitectura moderna, existe nesta vila um colégio para instrução primária e secundária, que pode comportar mais de duzentos alunos.

Este importante melhoramento moral e material deve-se ao benemérito vila-realense Dr. Jerónimo do Amaral, que o fundou a expensas suas.

Foi também há pouco aqui criada uma escola central para habilitação ao magistério primário, criação devida à rasgada iniciativa do digno Director Geral de Instrução Pública, conselheiro José d'Azevedo e de seu irmão, o nobre ministro da Justiça, dois ilustres filhos de Vila Real.

No extremo da Vila, à margem esquerda da estrada de Chaves, Pedras Salgadas, Vidago, Murça e Sabrosa, e fronteiro ao elegante quartel de infanteria 13, depara-se-nos o lindíssimo jardim público que o bom gosto foi colocar num socalco do monte do Calvário e de onde se disfruta um soberbo panorama, espraiando-se a vista pela formosa bacia formada pelo Marão e outras pequenas montanhas, povoadas de pitorescas aldeias, das quais se destaca a de Mateus, importante pelo magnífico palácio do actual conde de Vila Real.

Ponto forçado para as Pedras Salgadas e Vidago, Vila Real oferece nesta época de touristes e de banhistas, ou melhor aguistas, como soe dizer-se em linguagem moderna, um movimento desusado, imprimindo-lhe durante quatro meses muita vida e animação.

Vista de Vila Real tirada da Torre de S. Dinis

Vila Real - Capela de Cristóvão Gonçalo no Largo do Pioledo (segundo uma fotografia do sr. Lopes Martins)

Carvalho Cordeiro

Fonte: "Branco e Negro", nº23-26, 1896 (texto editado e adaptado)

(*) Para saber mais sobre o Aleu, recomenda-se a leitura de Aleo Aleo, Para além do Marão, de Nelson Cardoso.

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