O automóvel em Vila Real
"Em outubro do corrente ano [2007] regressam
as corridas a Vila Real.
Regressam, digo bem, já que desde 1931, ano das primeiras corridas, uma vez por outra (e algumas houve) fomos obrigados, contra nossa vontade,
a interromper o mais importante
cartaz turístico que o concelho alguma vez teve.
Mas, por mais fortes e adversos que fossem os motivos da interrupção, as diferentes comissões
organizadoras do Circuito de Vila Real e a Cidade (que de alguma forma cresceu
condicionada por ele), sempre foram capazes de
os ultrapassar e adaptar-se às novas
realidades.
Mas a vida, que mais parece viver de ciclos, provocou novas
contrariedades, novos
interregnos, novos regressos.
Por mim, regressarão sempre, porque há muito sei que a Cidade
nasceu com o automóvel.
Exagero? Creio que não.
Não pensem que me refiro às notícias
que a numerosa imprensa vila-realense muito cedo
transmitiu ou ao animatógrafo que
em 1897 no Teatro Circo e noutros salões construídos propositadamente para
este efeito nos traz as primeiras imagens do
automóvel.
Lembro, isso sim, que o uso do automóvel fez parte do dia-a-dia
de uma terra que há muito
era capital de distrito e sede de Divisão Militar (1901/1902)
e de Diocese
(1922).
Aureliano Barrigas, Como tratar o meu automóvel, Porto, 1926 |
Assim:
Em nome da necessidade de consolidar o regime saído do 5 de
Outubro de 1910, aqui vieram
muito frequentemente, usando o automóvel, ministros, políticos e altos funcionários da Administração.
Vila Real situava-se num dos mais importantes eixos
rodoviários de acesso às
estâncias termais do Alto Tâmega,
frequentadas desde a década de 1870 pela família real e diversos outros membros da aristocracia, personalidades
que foram das primeiras a importar
automóveis.~
Os nossos comendadores e titulares da diáspora não resistiram
a adquirir e a importar
automóveis com “o ouro que floriu” no
Brasil e em São Tomé e Príncipe.
Vila Real dispunha de uma das mais importantes feiras do Norte de
Portugal, onde, já na década de 1910, se viam
dezenas de automóveis, ao lado das
carruagens e dos cavalos, acabando por provocar um efeito perverso que
conduziu gradualmente ao desaparecimento de um
número considerável de criadores
de cavalos na região e da feira de gado cavalar.
O país, desde Fontes
Pereira de Melo, dispunha de uma rede de boas
estradas que cobriam grande parte deste, algumas
delas consideradas à época "notabilíssimas
pelo seu arranjo, como as da Serra do Marão e da Estrela".
Tudo isto são razões mais do que suficientes para compreender
que, para além de um desporto,
o automobilismo trouxe consigo um comércio e uma indústria (…), que se foram desenvolvendo a partir do dia
em que em Vila Real apareceu pela primeira vez o
automóvel.
Finalmente, e para que não fique qualquer dúvida, lembremos
também a importância social
do automóvel.
Circuito de Vila Real - Caricatura de Aureliano Barrigas publicada em O Comércio do Porto, Porto, 16 de Junho de 1931 |
Por exemplo:
O excursionismo começou verdadeiramente nessa altura - em 13 de Maio de
1928 camionetas e automóveis
transportaram dezenas de pessoas de Vila Real
e povoações vizinhas em peregrinação a Fátima.
Durante a pneumónica, automóveis transportaram os médicos às
aldeias onde a situação se
revelou mais grave.
Durante o Combate de Vila Real, em 8 de Janeiro de 1919 (vésperas da
Monarquia do Norte), são os automóveis que
transportam os feridos aos hospitais e colocam frente a frente os comandos adversários.
Altos funcionários e polícias, ao serviço do Governo Civil,
da Administração do
concelho e da Câmara Municipal, percorrem o distrito na procura de soluções
urgentes para abastecer de milho os mercados de
Vila Real, na repressão ao contrabando
de gado, na captura de criminosos, na apreensão de objetos destinados
ao fabrico de moeda falsa e, logo no início da
Grande Guerra, no serviço de recolha de informações em Verín, Orense, Ginzo de Limia e Vigo. (…)"
Projeto de uma bomba de gasolina a instalar na Av. Carvalho Araújo, em frente ao "Stand Ford", Vila Real, 1928 |
Fonte: Folheto sobre exposição “O Automóvel em Vila Real” (20
de Julho a 31 de Agosto de 2007), por Elísio Neves (texto editado).