A Festa de São Lázaro em Vila Real
Servindo de fundo a esta cena de costumes, vemos o Cruzeiro e a Capela de S. Lázaro. |
A Festa de São Lázaro
«Cumprindo-se
uma velha tradição desta cidade, realizaram-se no passado domingo, os festejos
a S. Lázaro, segundo um programa bem delineado por uma dedicada Comissão
de Moradores do antigo e típico bairro onde se localiza a Capela de Santa
Margarida, perto da ponte com o mesmo nome.
É essa
capelinha, ao fundo da Rua Sargento Pelotas (antiga rua de Santa Margarida),
que o povo vem fazendo, há muitos anos, a invocação S. Lázaro, pois
possui no seu altar a imagem desse Santo, de que resultou ser também conhecida
por Capela de S. Lázaro.
O povo
vila-realense habituou-se a invocar S. Lázaro, no seu dia próprio,
contra as bexigas, muitas vezes designadas por “bexigas loucas”, a
terrível doença da Varíola que, se não levava os doentes à morte, deixava-lhes
na pele, para sempre, as suas cicatrizes características.
Romaria de S. Lázaro - Vila Real - 7 de abril de 1957Reprodução de uma fotografia da Coleção Herdeiros de Achiles Ferreira de Almeida(Museu de Vila Real, 2004) |
Nem Camilo Castelo Branco conseguiu escapar, em pequeno, a essa terrível doença, e as
marcas que lhe ficaram na sua magra face, até serviram de motivo para que o
insigne escritor Dr. João de Araújo Correia desse o título de “Uma
Sombra Picada das Bexigas” à obra que escreveu relativamente ao grande
romancista.
Segundo os
autores do memorial sobre “Vila Real e seu termo”, manuscrito em
1721 para a Academia Real de História, essa Capela foi construída em 1520, à
custa do protonotário apostólico e abade de Mouçós, D. Pedro de Castro.
“Tem o altar
todo dourado onde estão colocadas as imagens de S. Lázaro, Santa Marta, Santa
Maria Madalena, é toda guarnecida a azulejo, tem côro, sacristia, púlpito e tem
um grande cabido colocado sobre 10 colunas redondas, o fôrro é apainelado com
estampas de vida do santo”, dizem as referidas “Antiguidades de Vila
Real”.
É importante
referir também que D. Pedro de Castro já tinha contribuído, em 1490,
para a construção da primitiva ponte de Santa Margarida, com a importância de
400.000 reis, quantia considerada relevante para a época. (1)
Vejamos o que o
Padre Pedro Augusto Ferreira, da Penajoia, mas conhecido por Abade de Miragaia,
nos diz em Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal:
“Como na
capela de Santa Margarida houvesse uma imagem de S. Lázaro, muitos devotos
deste santo, principalmente os da rua dos Ferreiros, e contígua, povoada quase
exclusivamente de ferreiros, chapeleiros e outros artistas, trataram de
festejar S. Lázaro.
Aumentando a
devoção para com este santo, fizeram irmandade própria, cujos estatutos foram
aprovados pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Telles, em 1714. (…).”
Por todas estas
circunstâncias a antiquíssima e pobre capela de Santa Margarida tomou a
invocação de S. Lázaro.
Era pública e
não sabemos o que resta hoje dela”. (2)
Pelo que se lê,
o abade de Miragaia, em 1885, não sabia o que restava desta Capela!
Mas, passado um
século sobre a sua valiosíssima descrição de Vila Real, podemos adiantar, por
exemplo, que a galilé e as dez colunas referidas nas suas notas desapareceram
há muitos anos, deixando-nos apenas os seus vestígios em frente à porta
principal.
E que,
actualmente, os painéis pintados a óleo, no tecto, referentes a milagres do
Santo, se encontram em progressiva degradação, como consequência da humidade
que têm recebido através do telhado.
Mais uns anos,
e nada restará dessas interessantes e antiquíssimas pinturas, se não houver
quem se preocupe em salvar pelo menos, as que ainda são aproveitáveis.
A terminar, e
voltando à Festa a S. Lázaro, devo esclarecer que não faltaram os tradicionais
cavacórios e bexigas, doçaria regional que ainda se faz e vende nesse
dia, graças às dedicadas doceiras vila-realenses que, todos os anos, montam a
sua banquinha ao lado da Capela de Santa Margarida.
Aspetos da Procissão de São Lázaro - Vila Real - 3 de abril de 1960
|
(1) Em 1842,
por se achar desaprumada e bastante arruinada, foi reconstruída pelo Governo,
ficando mais alta do que a anterior.
(2) O Abade de
Miragaia, um dos colaboradores de Pinho Leal, após a morte deste em 1884,
completou a sua obra. É dele todo o capítulo sobre Vila Real, no Tomo XI, de
Portugal Antigo e Moderno.»
Lourenço
Camilo Costa
Texto: In "A Voz de
Trás-os-Montes", de 28-3-85
(Texto editado e publicado com autorização da família)