Procissão de Corpus Christi, que se fazia em Vila Real até ao ano de 1756

Das «Memórias da antiga vila de Vila Real» recopiladas e comentadas Custódio José de Sousa Machado, de Vila Real - Ano de 1840 - manuscrito existente no Arquivo Municipal, extraio a seguinte descrição da procissão do Corpo de Deus.

«PROCISSÃO DE CORPUS CHRISTI, que se fazia em Vila Real até ao ano de 1756.

Primeiramente vai um carro que dão os habitantes desta vila e arrabaldes, ornado de frondosos ramos bem levantados e povoados de todo o género de frutas e hortaliças que o tempo permite, com uma dança de 16 figuras, com instrumentos próprios de hortelões.

2.º - Segue-se uma figura que representa uma serpe de muita grandeza e bem ao natural, que costumam dar os surradores.

3.º - Segue-se outra dum dragão com sua dama bem asseada que vai tirando por uma fita, que costumam dar os sapateiros e curtidores.

4.º - Segue-se S. Cristóvão com a grandeza da sua estatura, que dão os imaginários, e não os havendo é por conta da Câmara.

5.º - Seguem-se dois cavalinhos... (?), feitos com muita galanteria, que dão os alfaiates.

6.º - Segue-se a dança dos diabretes que se compõe de 16 figuras, Rei, Rainha, Vice-Rei e embaixador com uma bandeira empunhada, com um tambor e outros instrumentos extravagantes, invenção que dão os almocreves.

7.º - Segue-se a bandeira dos moleiros, que é de damasco branco, com cordões e borlas nas pontas, a que se segue uma dança de 16 figuras de mulheres e homens asseados, com suas sapatinhas na mão, a que chamam galeguinhos, que dão os moleiros e padeiros.

8.º Segue-se a bandeira dos carpinteiros e pedreiros, que é de damasco amarelo, com seus cordões e borlas, a que se segue uma dança de 18 figuras, homens e mulheres, vestidos de galegos, ao próprio da sua nação, a que chamam os velhos, com sua música que lhe canta de fora.

9.º - Segue-se a bandeira dos alfaiates, que é de damasco verde, com seus cordões e borlas, a que se segue uma dança de ninfos que dançam o arromba com toda a honestidade, e vai junto da bandeira um homem vestido à cortesã, com sua coroa, que representa o rei dos alfaiates.

10.º - Segue-se a bandeira dos sapateiros, que é de damasco vermelho, com seus cordões e borlas, a que se segue uma folia de música, porém, sendo folia branca vai ao pé do pálio cantando letras ao Sacramento; vão junto da bandeira dois homens vestidos à cortesã, com suas coroas: um representa o rei, outro o imperador deste mister; tem esta dança 18 figuras.

11.º - Segue-se a bandeira dos ferreiros, que é de damasco vermelho, com suas borlas e cordões, a que se segue uma dança com 24 figuras que representa um e outro sexo e um homem dançando no meio; e dança de primor vestido a todo o custo; tem música de fora, que lhe canta enquanto dança (é a dos Chins); é dada pelas regateiras do peixe e sombreireiros.

12.º - Segue-se S. Jorge, montado num cavalo, com alguns de rédea à mão, por razão do estado todos bem asseados, com um corpo de soldados armados e formados, que dão suas descargas em certas paragens e este corpo é composto de todos os espingardeiros, ferradores, serralheiros e ferreiros, que a todos pertence o ornato do mesmo Santo.

13.º - Seguem-se os quatro juízes do povo com suas varas, que se lhes dão na Câmara nas vésperas do mesmo dia, que também servem de procuradores do mesmo foro, que são eleitos pela Câmara à pluralidade de votos.

14.º - Segue-se a bandeira da Câmara, que a leva o vereador mais velho do ano passado, que vai no meio de dois almotacés, que aí vão com suas varas, e em seguida vai a antiga nobreza desta Vila por antigo estilo.

15.º - Segue-se o andor de Santa Catarina com suas romeiras, vestidas a esse modo, que dão os estalajadeiros.

16.º - Seguem-se duas pessoas ricamente vestidas, com sua matrona e um gaiteiro, a cujo som dançam, que dão as padeiras e tecedeiras.

17.º - Segue-se o andor de Santa Isabel, com uma dança de 18 figuras de mulheres e homens vestidos à romã.

18.º - Segue-se o andor do Menino Deus, que dão os picheleiros.

19.º - Seguem-se os mercadores e homens de negócio vestidos à cortesã com suas tochas, em duas alas.

20.º - Seguem-se as treze cruzes das treze freguesias vizinhas desta Vila, irmandades e confrarias, indo sempre a do S.S. de S. Pedro adiante da do S.S. de S. Diniz.

21.º - Segue-se a comunidade de S. Domingos com sua cruz e ciriais.

22.º - Segue-se a Irmandade dos Clérigos, com sua cruz e dois ciriais, e no meio desta vai o Vigário Geral com seus ofícios.

23.º - Segue-se a cruz paroquial de S. Pedro e depois a de S. Diniz, que levam os sacristães das ditas igrejas.

24.º - Seguem-se os Conselheiros da Ordem de Cristo com os seus mantos, cada um com sua vela de arrátel que lhes dá a Câmara.

25.º - Seguem-se os dois Procuradores e 10 Vereadores das três Câmaras antecedentes, por seu cabimento, todos armados com suas espadas à cinta.

26.º - Segue-se o pálio, que conduzem seis indivíduos da principal nobreza desta Vila ou vizinha.

27.º - Atrás do pálio seguem-se os Ministros, seus Oficiais e Oficiais da Câmara. Depois segue-se a tropa.

Assim organizada vai da R. Matriz de S. Diniz, sobe ao alto da Vila e volta pelo Tabolado a recolher-se na dita Igreja.

Na tarde desse dia há a corrida de touros a que assiste muito povo e o Senado da Câmara, com todas as autoridades.

Antes da corrida todas as danças representam o seu papel, cada um por sua vez e na melhor ordem possível; isto costuma-se fazer em frente do Senado, sendo este dia de grande regozijo nesta Vila».

Fonte: “Do passado de Vila Real” – Apontamentos (Maio de 1666 a Novembro de 1850), Luís Cyrne de Castro (texto editado e adaptado) | Imagem (meramente ilustrativa): Villa Real de Traz os Montes - Uma procissão na rua (Une procession dans la rue) | Edição: F. A. Martins, Lisboa, 1903 – Fototipia. Exemplar policromado (manualmente?) na época. Reedição: Câmara Municipal de Vila Real, 2005. Colecção: Adelaide Vicente

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