A Torre de Quintela - nos subúrbios de Vila Real

"O conde de Raczynski, diz que, exceptuando as margens do Reno, será difícil encontrar em parte alguma, tão grande número de castelos, como o que exista em Portugal. (Les arts en Port. Cartas XXV e XXVIII).

A torre ameiada e isolada, que damos em estampa, não é a parte restante de qualquer desses castelos, como são, por exemplo, as torres da Lapela, de Braga, e outras que o leitor conhecerá de visu ou de fotografias e gravuras.

Estas torres integravam-se no conjunto fortificado que as envolvia, como torres de guerra ou de menagem.

A Torre de Quintela, pela sua situação no fundo dum vale tão apertado que mais propriamente se diria um covão, e pela ausência absoluta de vestígios de fortaleza que a circundasse ou se lhe apoiasse, é, creio, uma torre senhorial.

O seu destino seria, além de afirmar na região em volta o senhorio do fidalgo seu proprietário, também o de armazenar os foros, rendas e pensões, que se lhe pagavam.

Entre as dez torres, (melhor dizendo, cubelos) que guarneciam o primitivo recinto do Castelejo (no actual Castelo de S. Jorge) uma tinha de nome Torre Albarrā, ou do haver por ser depósito ou cofre dos produtos dos impostos e das rendas (Júlio de Castilho, Lisboa Antiga).

Analogamente seria a Torre de Quintela, supomos nós.

A torre é toda construída de cubos graníticos, tem quatro balcões nas faces e outras tantas atalaias nos ângulos da linha de ameias.

Pelo estilo parece-nos dever ser do começo da monarquia, ou talvez anterior.

É semelhante aquelas duas acima citadas, que conhecemos apenas pelas gravuras, e à do mosteiro de Leça do Bailio, que vimos por mais de uma vez como tributo de admiração que pagamos sempre, se nos demoramos no Porto.

Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno diz da Torre de Quintela: - «Uma torre feudal, acastelada e com ameias, que não sabemos se ainda existe».

Existe e muito bem conserva externamente, embora não seja utilizada, pois que os pavimentos interiores já desabaram.

Àquela informação acrescenta Pinho Leal:

«Em um desenho da mesma torre, que se vê em um tombo muito antigo, se lê, por baixo do desenho esta décima:

Junto a Vila Real
Se vê uma torre antiga,
Que contra a hoste inimiga
Fez um Conde, Portugal,
Com mil foros; para a qual
Dita torre de Quintela,
Ainda hoje toda aquela
Vizinhança reconhece
Dos foros o tombo a este,
E desta maneira a ela.

«Contra a hoste inimiga» não compreendemos, dadas as razões que acima ficam averbadas.

Conjecturamos que o popular cronista e versejador arrevesado, se deixou levar, nesta nota, da impressão que lhe fez a forma «acastelada» (dizer de P. Leal), da Torre.

Aceitamos sim que fosse mandada erguer por um conde (no sentido deste vocábulo no regime medieval) e para tombo dos seus foros,

Na nossa curta residência em Vila Real, o que apuramos sobre o caso, pouco foi.

Na Memória Histórica Ms. de Vila Real existente no arquivo municipal, tomamos nota da seguinte passagem:

«Das famílias nobres, que antes da fundação da Vila, já existiam entre os povos vizinhos, cujos senhorios possuíam, era uma a da casa de Anta, que no tempo de D. Dinis, (o fundador da vila) possuíam Gonçalo Annes de Contreira e sua mulher Maria Afonso, etc., etc.» (Este ramo Contreiras, da casa de Anta, está hoje na família Vilarinho de S. Romão).

«Era outra (trata-se de famílias nobres) a da casa da Torre de Quintela» (sem mais nome ou apelido de pessoa).

Reconhecida fica assim a sua antiguidade, remontando a tempos anteriores a 1321 [1289] (foral de Vila Real), tempos em que a Vila de Constantim de Panóias, criada com foral do Conde D. Henrique, era a cabeça administrativa das Terras de Panóias.

Actualmente, a propriedade desta torre, supomos ser da sr. D. Margarida Pereira de Magalhães, pelo recente falecimento de seu esposo, José Guedes Pereira de Castro, que era o representante dos possuidores históricos.

Esta senhora é filha do falecido ministro de D. Maria II, Félix Pereira de Magalhães.

Nos campos em volta há casais que ainda pagam à Torre de Quintela foros em ovos, milhão, centeio, etc. Isto porém é resto de maior quantia, que já não carece de fortaleza para arrecadação segura.

A casa próxima, de habitação, e que foi talvez solar, é hoje de outrem.

O último senhor da Torre residia em Lisboa ou no concelho da Régua.

E nada mais temos para dizer, com visos de história. (...)

Henrique das Neves

"Ocidente" - nº748. 10 de Outubro de 1899 (texto editado e adaptado)

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