O Convento de São Francisco em Vila Real
Convento de São Francisco
“Pelos finais
do terceiro quartel do século XVI, havia em Vila Real um homem de nome Diogo
Dias Ferreira. Era pessoa muito religiosa, que havia inclusivamente feito voto
de castidade. Era também pessoa com avultados bens de fortuna e com desejos de
aplicar uma parte dela numa obra pia que pudesse ser “do divino agrado”.
Chegam
entretanto ecos a Vila Real dos conventos franciscanos de Lamego e de Torre de
Moncorvo, e dos benefícios que a sua fundação havia trazido para essas terras.
Diogo Dias
Ferreira pensou então que talvez tivesse chegado o momento de conseguir
benefícios semelhantes para Vila Real e de desenvolver esforços para a fundação
nesta vila de um convento franciscano.
Falou com
algumas pessoas influentes para escolha do local, que recaiu em terrenos
existentes na saída para norte, junto à fonte chamada de Codessais. Em seguida
foi falar com o guardião do convento de Lamego, expondo a sua ideia e
oferecendo-se para, além de outras generosidades, custear a capela-mor.
O guardião
agradeceu e deu conhecimento ao provincial da Ordem. Foi também dado
conhecimento ao Marquês de Vila Real, D. Manuel de Meneses, que se encontrava
em Ceuta.
O Marquês,
inteirado, escreve à Câmara, prontificando-se a ceder terrenos seus para a
edificação e cerca (verificando-se contudo que não existiam no local) e
sugerindo que se fizesse uma diligência junto do Rei, então D. Sebastião, para
pedir outros apoios. Assim se fez.
Entretanto, o
Rei, por provisão de 19 de Fevereiro de 1572, criou as condições que permitiram
a aquisição dos terrenos e, por alvará de 19 de Junho do mesmo ano, mandou ao
ouvidor da vila e outras justiças e oficiais da mesma que tomassem medidas para
que os materiais de construção (madeira, pedra, cal, etc) e a mão-de-obra
fossem fornecidos pelo “preço e estado da terra”, evitando assim especulações.
O processo está
em marcha. O provincial da Ordem manda os quatro primeiros religiosos para Vila
Real, para efectuarem as diligências necessárias. Ficam instalados numa casa da
Rua do Carvalho, mas, por falta de comodidades, mudam-se para a Rua das
Pedrinhas.
Em 21 de Janeiro de 1573, o Senado Municipal dá-lhes posse do sítio para o convento, na presença do novo provincial, Frei Marcos de Lisboa, mais tarde bispo do Porto. Há missa cantada em São Pedro, seguida de uma procissão até ao local, onde é arvorada uma cruz.
Para ler: Convento de Santa Clara - Vila Real
A 4 de
Fevereiro imediato, procede-se ao lançamento da primeira pedra, a que se sucede
o início das obras, que decorrem a bom ritmo e sem intervalos. Os clérigos instalaram-se
no convento, ainda que de forma precária, nesse mesmo ano de 1573.
Dois anos mais
tarde, em 1575, a igreja foi benzida um pouco à pressa, dado que foi ano de
fome, moléstias e numerosas mortes, tornando necessária a entrada em
funcionamento de um novo local para enterramentos. Neste ano, o prelado
principal aparece já com o título de guardião. Era Frei Sebastião de São João.
Em 1576, D.
Manuel de Meneses esteve em Vila Real durante dois meses. Pouco depois do seu
regresso a Ceuta, morre o seu filho secundogénito, que havia ficado em Vila
Real, em companhia da mãe, sendo sepultado na capela-mor da igreja.
Aproveita-se
então para fazer a oferta do padroado da referida capela ao Marquês de Vila
Real, mantendo-se na posse da Casa dos Marqueses até que os bens desta (e
também esse padroado) passam para a posse da Coroa e depois da Casa e Estado do
Infantado, no séc. XVII.
Em resposta, o
Marquês oferece aos religiosos, a título de esmola, uma arroba de carne por
semana, substituída no Advento e na Quaresma por uma verba equivalente para
aquisição de peixe. Esta e outras esmolas mantêm-se depois de o padroado ter
passado para a Casa do Infantado. Também Diogo Dias Ferreira deixa em
testamento meia arroba de carne por semana.
Em 1577 é
oferecido à Ordem o terreno para a cerca, liberto do foro do Marquês. A
construção do muro desta tem início imediato. Na cerca, havia uma rua com 5
ermidas, um vistoso bosque e hortas. O muro da cerca recebeu em 1727 um nicho
onde foi colocada a imagem de Santo António da Carreira, que em 1732 foi
transferida para uma capela própria que se construiu no início da mesma cerca,
onde ainda se mantém.
Aquando da
escolha do local, foi decidido (na versão dos religiosos) oferecer à Ordem a
Fonte de Codessais, para abastecimento de água à comunidade religiosa.
Porém isso foi
sempre contestado pelo povo e também pela Câmara, que reagem e se opõem à afectação da fonte ao convento. Por esse motivo, não se consegue essa
afectação, tornando-se necessário procurar água de outras origens. Sabe-se que
em 1618 já se recebia água na sacristia e na cozinha, e mais tarde no chafariz
do claustro.
Entrava-se para
o pátio que antecedia a igreja do convento por uns arcos. Num documento de 1721
referem-se três arcos. Em documentação posterior assinalam-se dois, que devem
ter substituído os três originais e que terão sido construídos cerca de 1750,
com risco do vila-realense Luís Manuel Álvares Coelho de Matos, também autor do
risco da Fonte da Carreira.
Havia nesses arcos duas imagens, São Francisco e São Domingos, que hoje se encontram no adro do Calvário, e o escudo com as armas seráficas, seguindo-se uma escadaria que levava ao pátio da igreja.
Para ler: O senhorio de Vila Real – O trágico fim do seu último marquês
A igreja, por
sua vez, tinha na frontaria dois nichos, onde se encontravam as imagens de São
Francisco e Santo António, hoje a ornamentar a entrada dos serviços da GNR,
instalados no que resta do convento.
A igreja era
muito rica, com grande profusão de imagens, azulejos e relíquias de santos.
O claustro com
o chafariz de 1727 era lajeado, e nele se encontravam sepulturas dos
religiosos, varandas e uma faixa de azulejos.
O convento
propriamente dito tinha dois dormitórios, uma hospedaria, diversas oficinas e
uma enfermaria com uma grande varanda construída em 1744.
Com a extinção
das ordens religiosas masculinas, em 1834, o convento é naturalmente extinto e
os seus bens nacionalizados, passando a igreja para a posse da Ordem Terceira
do Convento de São Francisco, estabelecida em 1670, e que possuía já uma grande
capela anexa à igreja e um cemitério que se construiu a partir de 1757.
Esta Ordem foi
também responsável pela construção da Capela do Senhor Jesus do Calvário, em 1680,
ampliada em 1803.
O Convento de
São Francisco teve importância assinalável no ensino em Vila Real, na tradição
aliás dos franciscanos, que remonta ao séc. XIII.
Depois da reforma do Marquês de Pombal, foi ali instituída uma escola régia de Primeiras Letras, em 15 de Dezembro de 1779, de que foi responsável, desde 1810, Frei José da Virgem Maria, autor do importantíssimo manual “Novo Methodo de Educar os Meninos e Meninas, Principalmente nas Villas, e Cidades”, que saiu em dois volumes, em Lisboa, em 1815.
Para ler: Sobre o Pelourinho de Vila Real
O convento
dispunha de um importante arquivo e livraria, esta franqueada ao público e
valorizada pela oferta em 1821 da livraria de José Teixeira de Melo e Castro,
por seu irmão António. Essas livrarias integram-se hoje na Biblioteca Pública
Municipal de Vila Real.
Na sequência da extinção, a cerca foi arrendada e depois vendida em hasta pública em 1843. Em parte do edifício esteve instalada a Biblioteca Pública, tudo leva a crer que o Liceu, e a Escola de Habilitação ao Magistério Primário, a partir de 1896.
Atingido por um incêndio em 9 de Janeiro de 1850, salvou-se a igreja. Na
sequência do incêndio, foram feitas obras no edifício do extinto convento.
Desde cedo, o
edifício recebe alguns corpos militares, e em definitivo em 1883 o Regimento de
Infantaria 13, quando este veio para Vila Real, transferido de Chaves,
mantendo-se no local até 15 de Junho de 1952, data da sua transferência para o
novo quartel. Sucedeu-se então a instalação da GNR, que ainda lá se encontra.
Quanto à
igreja, foi posta à venda pela Ordem Terceira em 20 de Abril de 1955 e
posteriormente demolida.”
Fonte do texto: "O Convento
de São Francisco”, por Vítor Nogueira, em “Vila Real – História ao Café” (texto
editado)