"Os motins de Vila Real em 1636"
(…) Da leitura [do documento (1)] ficamos sabendo do levantamento popular ocorrido em Vila Real
de Trás-os-Montes, no Verão de 1636,
provavelmente nos princípios do mês de
Julho ou fins de Junho.
A carta é escrita
e assinada em Lisboa e datada do 29 de Julho do mesmo ano.
Não nos
esclarece, porém, das causas remotas ou próximas desses motins. (…)
Por ela ficamos
sabendo que os cabecilhas do motim foram «pessoas Ecclesiasticas» «autores
desta perturbação de conluio com «pessoas leigas», no que o monarca, pela voz
da duquesa, confessa espanto e apreensão, visto contar mais com o Estado
Eclesiástico, para o sossego e quietação do Reino do que para acções deste calibre.
Ao Deão,
Dignidades, Cónegos, Cabido se chama a atenção encomendando-lhes o caso para o
apuramento das responsabilidades, uma vez que até ao presente o não haviam
feito.
São raras as
notícias que possuímos sobre Vila Real e a sua região, ou, mais praticamente, nulas,
para este período.
As que possuímos
são posteriores, a grande distância destes acontecimentos, e pouco nos esclarecem
sobre a importância da terra no que concerne ao aspecto populacional, social e
económico. (…)
Os Mapas e
descrições Corográficas posteriores, que sobre a vila nos informam, são igualmente
escassos e quase nada nos auxiliam no conhecimento da conjuntura social ou
económica e dos demais condicionalismos que serviram de tabuado aos
acontecimentos de 1636.
Todavia, Vila
Real faz parte de uma rede de vilas interiores, vivendo de um pequeno comércio às
vezes de contrabando feito à base dos produtos agrícolas, eminentemente interno
(que no decorrer do século XVIII se desenvolveu e avolumou com o trato dos
vinhos), e também, de uma actividade mesteiral essencialmente local.
Era já,
porventura, nesta altura do século XVII o principal centro da região transmontana
e também, pelo certo, o mais activo.
Nada sabemos
sobre as produções agrícolas e seu montante, e da exploração agrária correspondente.
Nada sobre os
preços ali praticados, seja de cereais seja doutros produtos.
Apenas possuímos
para a vasta região de Trás-os-Montes dados — alguns dispersos -- coligidos
pelo Abade de Baçal (sobre Bragança e o seu distrito).
Nada que
seguramente nos habilite a apresentar dados seguros sobre Vila Real e a região,
situada já numa zona de transição para as vertentes do Oeste. (…)
O que sabemos é
que a população da vila incitada por alguns eclesiásticos se alvoroçou.
Ocupou a Casa
da Câmara alvorotando a vila e postando-se em frente da casa que albergava o
agente real - o Provedor da Comarca de Lamego que ali se deslocara por mandado
do monarca, impedindo-se-lhe a execução das ordens que trazia.
Um pouco de
semelhança com o que se irá passar em Évora um ano volvido.
A aversão dos
povos esteve, mais uma vez, patente contra os agentes do poder central, estrangeiro.
Essa aversão e
hostilidade foi aqui dirigida e orientada por pessoas eclesiásticas.
Não sabemos do
conteúdo das ordens que levava a Vila Real o Provedor de Lamego porque então
ficaríamos elucidados sobre a causa directa dos motins e mais nos poderia
esclarecer dos interesses das pessoas envolvidas.
Entraves ao exercício
normal da jurisdição por parte do Provedor de Lamego? Mas porquê?
Visita
relacionada com novas imposições fiscais? (Lembre-se que nesta altura se vinha
fazendo a derrama do real de água por todo o Reino).
Algum mandato
particular por parte do monarca, tendo disso incumbido o Provedor?
Aversão
meramente pessoal ao mesmo?
Para todas as
perguntas uma resposta de probabilidade.
O que é certo é
que a vítima foi o agente real, neste caso o Provedor de Lamego, e que o mesmo
monarca se queixa de ali se impedir a execução de ordens suas.
Desconhecemos,
por enquanto, se os autos destinados a averiguar da responsabilidade dos inculpados,
chegaram a ter seguimento, se se levantaram, ou se, também aqui, as responsabilidades
foram alijadas em pessoas anónimas e irresponsáveis ou diluídas no todo
colectivo.
Sabemos, tão
só, que, se o Cabido chegou a ter conhecimento dos motins logo após, não se
inquietou no apuro das responsabilidades, e o conteúdo da missiva deixa-nos
suspeita séria de que teria tido conhecimento deles e nada ordenara.
Daí resultou o
principal motivo para esta ordem da Corte. (…)
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(1) O documento, pouco extenso, é uma carta assinada por Margarida de Mântua, Governadora do Reino de Portugal, e dirigida ao Deão, Dignidades, Cabido da metrópole bracarense. Faz parte do Reservado da Mitra, do Arquivo Distrital de Braga e está catalogado no Tomo 3 das Cartas, com o N.º 67.
No verso do documento tem escrito: «Por ElRey. Ao Deão, Dignidades, Conegos Cabido da see de Braga Primas/:». Mais abaixo elucida-nos do conteúdo da missiva: «Carta da Duqueza Governadora de Portugal em q recomenda ao Cab.º que proceda contra huns Ecclesiasticos que se acharão no motim de Villa Real no anno de 1636». O seu estado de conservação é óptimo e encontra-se perfeitamente legível.
Fonte: “Os
motins de Vila Real em 1636”, por Aurélio de Oliveira, Assistente da faculdade
de Letras do Porto. Bolseiro do Instituto de Alta Cultura