O Rio das Lavadeiras – Rio Corgo em Vila Real
O Rio das Lavadeiras
"O Rio das
Lavadeiras... Talvez deva começar por explicar, a quem não esteja familiarizado
com a toponímia vila-realense, o que vem a ser o Rio das Lavadeiras.
O rio que tem este nome, de ressonâncias poéticas e laborais ao mesmo tempo, acaba por nem sequer ser um rio, mas apenas uma levada desviada do Corgo, ali defronte do Parque Florestal, onde desde tempos imemoriais a roupa do Bairro de Santa Margarida, que ainda não metera máquina eléctrica portas adentro, vinha ajustar contas com a água e o sabão.
Que tem lá isso
perguntará o Leitor -, roupa lavada no rio há em toda a parte.
Pois há. Mas
não sei que mistério tinha aquela levada e mais as mulheres que lavavam nela e
mais a roupa a secar ao sol no estendedouro, colorida como um andor e, vista de
além do rio, com o casario pitoresco da Rua do Corgo em fundo, não sei que raio
de mistério tinha aquilo, digo, que era um regalo para os olhos.
Era um
apontamento etnográfico bem impressivo, tão digno ou mais de uma aguarela do
que o pic-nic de burguesas que canta Cesário Verde no célebre soneto.
Pois bem. O Rio
das Lavadeiras - já não há.
Acabou com ele
a construção de uma represa, ao que me dizem feita ali para criar um espelho de
água onde sejam viáveis os desportos náuticos.
Não tenho nada
contra os desportos náuticos excepto que os não pratico, porque, entre muitas
outras que não sei, figura esta tão elementar para qualquer mamífero dito irracional que é - nadar.
Mas, se as
minhas magras luzes de engenharia hidráulica (mais magras ainda do que os meus
conhecimentos de natação, é bom que se diga) não me iludem, para fazer a
represa não tinha sido necessário sacrificar o Rio das Lavadeiras.
E todavia foi o
que fizeram. Insensíveis, brutalmente insensíveis àquele motivo de encanto da
velha Vila Real, riscaram-no do mapa sem um sobressalto de consciência.
As lavadeiras
ainda vão tentando o rio propriamente dito, mas este corre ali demasiado
impetuoso, enquanto o seu rio legítimo corria manso, as margens de cascalho não
se ajeitam aos joelhos como se ajeitava a relva fofa do outro, e, mais tarde ou
mais cedo, compram todas uma máquina a prestações e mandam bugiar o Corgo,
certo como estar eu aqui a falar nisto.
E será o fim,
irremediável, daquele espectáculo das mulheres a bater a roupa, que tinha tanto
do pitoresco como de inofensivo (mesmo descontando as intenções dúbias de
alguns voyeurs, a quem não seria exactamente a etnografia que interessava,
senão as pernas das lavadeiras).
Adeus, Rio das
Lavadeiras.
Lavadeiras no rio Corgo!
Imaginem os
meus Leitores de Amarante que a Barragem do Torrão lhes engolia a Ilha dos
Amores.
Imaginem os
meus Leitores do Porto (se é que alcanço chegar lá) que o Douro lhes papava a Ribeira.
Como se
sentiriam?
Assim me sinto
eu.
O que mais me
dói é que não se ergueu uma voz em defesa do Rio das Lavadeiras, um grito de
alerta, um lamento sequer - tirante este meu agora, extemporâneo mas sentido.
Porquê?
Vila Real é
terra de gente culta, que cada vez está mais vigilante, e ainda bem, contra os
atentados ao património.
Hoje, a Câmara
e os empreiteiros já pensam duas vezes antes de autorizar (ela) e construírem
(eles) mamarrachos da mesma casta dos que foram autorizados e construídos há
dez, doze anos.
A opinião
pública mobiliza-se e eriça-se, mal se perfila no horizonte uma ameaça.
E todavia, no
caso do Rio das Lavadeiras (que tinha para mim tanto valor histórico-cultural,
logo patrimonial, como qualquer prédio da Rua Nova, a festa de S. Lázaro ou uma
moringa de Bisalhães), a indiferença foi geral: ninguém verteu uma lágrima, nem
deu suspiro que se ouvisse.
Livra! Nem que
os vila-realenses fossem todos accionistas da ITT!"
"Rio das Lavadeiras" |