O Marão, formidável montanha a Poente de Vila Real

 


Vila Real,
Oh! que linda és:
Tens o Corgo aos Pés
Em adoração!

Vila Real
Como és gentil:
Canta-te o Cabril,
Beija-te o Marão!

(Refrão da Marcha de Vila Real, da autoria de Mons. Ângelo Minhava)

 

“O Marão - talvez não saiba ainda - é esta formidável montanha a Poente, baluarte de granito, esculpida em convulsões cósmicas, carregada até ao cerne de dramatismo, que não só nos separa como nos isola, e por isso nos molda e dá identidade e a obstinação.

Teixeira de Pascoaes, um Poeta de Amarante (cidade do outro lado do Marão), adivinhava nele uma alma gémea da sua, com quem conversava a horas mortas, em noites de temporal desfeito, em que os fantasmas feitos de neblina e escuridão vagueavam pelos cerros e despenhadeiros, pagando promessas e expiando crimes.

Esta visão espectral do Marão quadra-lhe bem.

É de facto difícil contemplá-lo e não o sentir inquieto, como quem domina a custo ímpetos fundos de se fazer gente e amar.

Os grandes Poetas, como Pascoaes, têm o dom de nos abrir os olhos para estas realidades que não estão à superfície das coisas, mas no seu íntimo atormentado.

Pois é esta montanha singular que, barrando-nos a passagem para Oeste, nos fez enrolar sobre nós mesmos, meditar ao longo de séculos as águas com que o nosso barro se amassou e ressurgir da meditação feitos esta pedra e este sal.

Bom. Diz-se em Português que as palavras são como as cerejas. Quer dizer: quando se retira uma da cesta, vêm sempre outras agarradas. Ou, por outras palavras: que uma coisa puxa pela outra.

Falando em fronteiras naturais - não interessam aqui as fronteiras com a vizinha Espanha - há outro acidente telúrico que nos limita a Sul, e, da mesma forma que o Marão, faz de nós aquilo que somos o Douro, rio de todas as angústias e de todas as exaltações, que corre entre os montes onde a videira produz mel e ouro velho – esse vinho impropriamente chamado «do Porto», só porque era aquela cidade portuária que o fazia embarcar rumos às sedes de todo o
mundo, a inglesa em primeiro lugar.

Douro e Marão são pois a matriz telúrica da nossa alma: água e pedra.

A água fugidia dá-nos a percepção do transitório, do irremediável; a pedra estática faz-nos entender os valores do perene e do estável.

A água fez de muitos de nós marinheiros e exploradores dos confins do mundo; a pedra fez de muitos outros lavradores, a cavar sem esperança nem remédio a terra magra.

Água e pedra: a leveza casada com a gravidade, a alegria cintilante da corrente minando a
taciturnidade dos horizontes imutáveis da montanha.

Douro e Marão as raízes deste orgulho e deste desconforto.”

A.M. Pires Cabral, “Vila Real – itinerário mínimo” (texto editado para permitir uma melhor leitura nos telemóveis)

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