Memórias do Café Club, em Vila Real

Café Club - Vila Real


Em 1 de Março de 1917, inaugurou-se o Café Club.

As obras começaram um ano antes, quando as pessoas de Vila Real notaram um movimento pouco habitual, nos baixos do palacete que ocupava uma parte do chão da antiga casa dos marqueses de Vila Real, que mobilizou marceneiros, pintores e trolhas.

Os proprietários deste salão de recreio ou café-concerto eram o tesoureiro da Câmara Municipal, José Ferreira, e o visconde de Trevões.

Já havia a tradição dos cafés-concertos em Vila Real, devido à Feira de Santo António.

Mas dizia-se que o Café Club seria o mais luxuoso de toda a província.

Chegado o grande dia, as portas do estabelecimento abriram-se.

Tinha duas entradas, uma para a Avenida Carvalho Araújo e a outra para a Rua António de Azevedo.

No interior, um balcão enorme, mesas com tampo de mármore, candelabros, espelhos e grandes quadros, pintados propositadamente para aquelas paredes, de inspiração naturalista e ao ar livre, de que alguns não gostaram, pelo facto de as obras serem estrangeiras e com motivos que nada diziam a Vila Real.

Para a inauguração, veio um grupo sinfónico, constituído por professores de música do Porto.

Este lugar passou a ser ponto de encontro e convívio da sociedade vila-realense.

No primeiro andar do edifício do Café Club, funcionava o Club de Vila Real, com uma intensa atividade cultural.

Possuía três salas: o Teatro-Circo, o Salão High-Life e o Teatro-Salão

O aparecimento do Café Club fez com que os outros locais de convívio, como, por exemplo, o Café Tocaio, se modernizassem, para fazer face à concorrência.

Contudo, o Café Club vai-se afirmando como ponto de encontro da elite vila-realense, que ali vai tomar o seu café e ouvir os concertos dados, nos finais de tarde das quintas-feiras e domingos, por um quarteto «dos Botelhos».

O espaço também dispunha de um restaurante. Ali, ainda se efetuavam os tradicionais jogos de salão.

Depois de alguns contratempos registados em Vila Real e que acabaram por afetar o Café Club, o sonho inicial de um lugar de luxo destinado a «gente especial» esvaiu-se.

Passou a ser frequentado por clientes de todas as espécies, que nada tinham a ver com os anteriores elitistas, republicanos e jacobinos.

O lado da Rua António de Azevedo era ocupado pelos artistas, empregados do comércio e, nos dias de feira, pelos comerciantes, que ali vinham concluir os seus negócios. 

A clientela do Café Club era agora heterogénea. Ricos e pobres, gente de trabalho de todas as cores políticas.

Em 1970, o café foi trespassado para uma empresa.  Depois disso, quase nada se sabe da história do fim deste animado espaço.

Hoje, o mesmo lugar está ocupado por uma instituição bancária.

O seu atual interior em nada lembra o que, outrora, o Café Club representou para a vida social de Vila Real.

MS 

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A cidade de Vila Real foi vítima de um acontecimento que lhe deixou marcas profundas.

Os monárquicos, descontentes com o regime republicano depois do 5 de Outubro de 1910, criaram um movimento militar que alastrou a todo o Norte do País, com o objetivo da restauração do trono.

Por isso, na noite de 24 de Janeiro de 1919, Vila Real, conhecida como centro republicano, foi bombardeada.

O Quartel de Infantaria 13, as igrejas do Calvário e de São Pedro e algumas casas importantes ficaram danificados.

Cerca de 500 militares de infantaria, cavalaria e artilharia, sob o comando do padre Domingos Pereira, de Cabeceiras de Basto, entraram na cidade e espalharam-se pelas ruas, dando origem a desacatos, assaltos e destruições.

E como o Café Club tinha fama de antro republicano, os soldados arrombaram as portas, entraram com os cavalos, abriram fogo contra os espelhos e candelabros, partiram vidros e mármores, e despejaram para a rua o mobiliário e o piano, roubando os objetos mais valiosos e fazendo com o resto dos objetos uma fogueira. 

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O Café Clube reorganizou-se depois do assalto dos monárquicos. Trindade Chagas pintou novos quadros em substituição dos destruídos.

Este espaço, que nos anos áureos de 1917 até 1919 era um lugar luxuoso e de elite, tornou-se mais democrático e com uma clientela diversificada.  

E para o serviço de todos encontrava-se lá desde sempre o Diogo do Café.


Esteve ao serviço do Café Club até aos anos 60, altura em se reformou, sendo o primeiro da indústria hoteleira em Vila Real a fazê-lo. Trabalharam com ele os seus três filhos.

Pelo final dos anos 30, participou como actor num filme rodado em Vila Real e Pedras Salgadas, chamado O Roubo dos Diamantes. Coube-lhe o papel de detective.

Contam os mais velhos, os que ainda se lembram do Café Club, que este simpático empregado fazia um café magnífico.

A bebida era preparada quase artesanalmente pela uma hora da tarde.

O Diogo do Café falava com à-vontade e muita graça.

Chegou a estar preso durante 50 dias por ter dados vivas à República em pleno Teatro Avenida. 

In ”Portugal – Memória das Cidades” (texto editado)

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