Os Bombeiros em Vila Real (1856 a 1912)

Carro Alegórico dos Bombeiros Voluntários - Festa da Árvore - Vila Real - 5 de Março de 1911

Reprodução de uma fotografia de A. Teixeira (Vila Real)

“Em Vila Real existem, actualmente, duas Corporações de Bombeiros Voluntários: 

- a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários e Cruz Verde 

- e os Bombeiros Voluntários de Salvação Pública e Cruz Branca.

Se eu perguntasse a muitos dos nossos conterrâneos, qual teria sido a primeira corporação de bombeiros a ser fundada nesta capital transmontana, não duvido que a maioria das respostas (se não todas) se dirigiam para a Corporação dos Bombeiros Voluntários de Cruz Verde, vulgarmente conhecida por “bombeiros de cima”.

Pois, se a resposta fosse essa, desde já garanto que estariam completamente enganados, porque a primeira corporação de bombeiros que se fundou em Vila Real já não existe.

Ao lermos a acta da “sessão de 5 de Janeiro de 1856”, da Câmara Municipal de Via Real, da presidência do Dr. José Camilo Ferreira Botelho de Sampaio – o padrinho de Camilo Castelo Branco – verificamos que se criou, nesse ano, uma “associação de Cidadãos (…) para acudir aos incêndios”, dirigida pelo Bacharel António Tibúrcio Pinto Carneiro. É dessa acta a passagem que se transcreve:

Constando a esta Camara que se achava organizada uma associação de Cidadãos desta Villa que se prestara ao serviço regular de bomba para acudir aos incêndios que elegera para seu Director o Bacaharel António Tiburcio Pinto Carneiro, pelo qual foi apresentada neste acto a relação de todos esses indivíduos, (…).”

Devo esclarecer, também, que a Câmara Municipal tinha adquirido, na cidade do Porto, dois anos antes, “uma bomba para acudir aos incêndios”. (Acta da sessão da C.M.V.R., de 14-7-1854).



Mas, em 1864, por proposta do vereador Francisco Vitorino Vaz de Carvalho, na sessão extraordinária de 29 de Junho, a Câmara Municipal aprovou um “regulamento, não só quanto ao pessoal da Companhia, vencimentos e obrigações, e das atribuições da Camara como Superintendente da dita Companhia.” 

Quer-se dizer, a Câmara Municipal decidiu transformar essa associação de bombeiros em “companhia de bombeiros municipais”, constituída por um director-comandante, dois cabos ajudantes e dezasseis empregados, com vendimentos próprios. O primeiro director-comandante dessa “Companhia” foi Luís Assunção.

Só passados 26 anos, é que se fundou a Corporação de Bombeiros Voluntários, a qual aparece mencionada, pela primeira vez, na acta da “sessão de 8 de maio de 1890” da Câmara Municipal de Vila Real, nos seguintes termos:

Outro [ofício] do Presidente da Commissão iniciadora do corpo de bombeiros voluntários d’esta Villa, pedindo um subsidio, por pequeno que fosse, bem como dos, digo bem como uma das bombas e seus pertences para acorrerem desde já ás primeiras necessidades. (…).”

Dois meses após essa solicitação dos bombeiros voluntários, a vereação decidiu emprestar-lhes uma das duas bombas dos “municipais”, deliberação que ficou registada na acta da “Sessão de 24 de junho de 1890”.

Mas, em Janeiro de 1891, em resposta a um ofício do Comandante interino dos bombeiros voluntários, em que pedia “a extinção do pessoal encarregado do serviço municipal d’incendios”, a Câmara Municipal, aprovando, por unanimidade, uma proposta de nove pontos apresentada pelo vereador Sr. Dias Borges, deliberou extinguir a “companhia de bombeiros municipais”.

No entanto, a Edilidade comprometeu-se a ceder “todo o material e a verba votada no orçamento” à nova Corporação, logo que ela provasse estar legalmente constituída, e esta foi obrigada a receber no seu seio, pelo menos, vinte dos bombeiros municipais e a pagar-lhes os vencimentos. (Actas das sessões da C.M.V.R., de 15 e 22 Janeiro de 1891.

Era então Presidente da Câmara Municipal, o Sr. Avelino Arlindo da Silva Patena, um dos fundadores dessa corporação de voluntários.



Eis que, em Agosto de 1897, surge um lamentável incidente entre a Corporação de Bombeiros Voluntários e a Câmara Municipal.

A Direcção daquela associação humanitária propôs à vereação, para serem aprovadas, as bases de um acordo (com 10 cláusulas), a fim de a corporação “poder entrar n’um regímen de verdadeira utilidade”, em consequência do estado de desorganização em que se encontrava.

Dois vereadores decidiram propor alterações a algumas dessas cláusulas, o que não foi aceite pela Direcção dos Bombeiros Voluntários. 

Deste conflito resultou a suspensão de toda a actividade da parte da Corporação dos Bombeiros Voluntários, surgindo a ideia de se organizar o serviço de incêndios e criar-se, para isso, um Corpo de Salvação Pública.

A Câmara Municipal “nomeou inspector interino do serviço d’incendios o Sr. Manuel José de Moraes Serrão, o qual se havia oferecido para exercer gratuitamente esse cargo”.  (Acta da sessão da C.M.V.R., de 30-9-1897).

Foi assim que surgiu o Corpo de Salvação Pública, sob o comando de Morais Serrão, origem da actual corporação dos Bombeiros Voluntários de Salvação Pública de Cruz Branca.

Dois anos depois da suspensão da sua actividade, a Corporação dos Bombeiros Voluntários decide reorganizar-se. 

Lavrou-se então, entre esta e a Câmara Municipal, uma escritura pública, em 26 de Maio de 1899, pela qual foi confiado o serviço municipal de extinção de incêndios àquela “antiga e benemérita Associação de Bombeiros Voluntários”. (Actas das sessões da C.M.V.R., de 25-5-1899 e de 8-10-1900).

Desde então, as duas corporações têm-se mantido, lado a lado, com maiores ou menores dificuldades, ao longo da sua existência.



Não é novidade para ninguém, que existiu sempre entre elas uma evidente rivalidade que, em tempos passados, chegou a atingir momentos dramáticos. Mas não terá sido essa mesma rivalidade, em parte, a razão fundamental de ambas terem sobrevivido até aos nossos dias?

Atualmente, as relações são, o mais possível, as melhores.

Mais tarde, em 1928, Vila Real viu nascer uma 3ª Corporação de Bombeiros Voluntários.

É d’O Povo Do Norte, de 8 de Abril desse ano, a notícia que aqui se insere:

Nova corporação de bombeiros

Encontram-se já aprovados os estatutos da corporação de bombeiros em breve a organizar nesta cidade, que se intitulará Corporação de Bombeiros Voluntários Vilarealenses.”

E o mesmo periódico, na semana seguinte (15-4-1928), reforça aquela notícia com uma nova informação:

Bombeiros Voluntários Vilarealenses

Comunica-nos a Comissão Administrativa da Associação desta nova corporação de bombeiros, que acaba de instalar a sua sede na Rua 31 de Janeiro, nº 14.

Por razões que desconheço, esta corporação de bombeiros voluntários não teve continuidade, e raramente se ouve falar acerca dela.

Voltando ao Diretor da 1ª corporação de bombeiros de Vila Real, Dr. António Tibúrcio Pinto Carneiro, vila-realense ilustre do séc. XIX, devo esclarecer os leitores que foi ainda:

- Deputado pelo círculo de Vila Real, em 1860, tendo sido incumbido de apresentar, no Parlamento, a última de várias representações que a Câmara Municipal enviou ao Governo, acerca da construção “da estrada que caminhando pelas fraldas da Serra do Marão nos ligue pela Villa d’Amarante directamente com a Cidade do Porto”. (Acta da “sessão extraordinária de 19 de novembro de 1860”, da C.M.V.R).

- Governador Civil de Vila Real, de 1871 a 1879, e novamente em 1881.

- Fundador do jornal O Vilarealense, em 1880.”

Por Lourenço Camilo Costa – 1982 (texto editado, e publicado com autorização da família)

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